1. Patativa do Assaré
Mais do que uma expressão artística, o cordel parece ter sido a forma como Patativa do Assaré (1909-2002) superou as extremas dificuldades da vida no sertão do Nordeste. E dificuldades não faltaram para o artista, nascido Antônio Gonçalves da Silva, na Serra de Santana, a 18 quilômetros do núcleo urbano de Assaré, distante, por sua vez, 520 quilômetros de Fortaleza. Cego de um olho aos quatro anos, teve que enfrentar a lavoura aos oito, após a morte do pai. De educação formal não teve mais do que quatro meses.
Em meio a uma vida tão difícil, ler os folhetos de cordel e ouvir os cantadores fizeram-no ver que também poderia fazer poesia. Com o apoio da mãe, vendeu uma ovelha aos 16 anos e comprou sua primeira viola. Passou então, como dizia em entrevistas, a fazer quadrinhas e a se apresentar nos sítios para distrair os serranos, moradores da região. Em 1928, um parente levou-o ao Pará, onde ganharia o apelido de Patativa, numa referência a um passarinho de belo canto. De volta à agricultura e incorporando "do Assaré" ao nome artístico, compôs quase toda a sua obra, cantada e recontada que era pelos serranos, matutos, e feirantes do Crato (CE), a cidade onde vendia sua produção e encontrava os amigos com os quais tomava sua cachaça.
Falar de cordel como sinônimo de folheto de feira na obra do poeta Patativa do Assaré talvez seja simplificador demais. Compreendendo cordel como uma manifestação fabulosa do mundo e considerando Patativa um bardo, pode-se dizer que cordel foi tudo o que ele fez ao longo de 93 anos de vida, dando novo significado a um conjunto de narrativas que mistura as tradições de trovadores europeus com contribuições de índios e negros. A influência indígena, da etnia cariri, se dá na alegria, da qual as bandas, como a dos Irmãos Aniceto, do Crato, seriam o melhor exemplo. A herança africana viria dos cantos de trabalho (cocos) e das irmandades dos negros da região, com sua coroação dos Reis dos Congos.
O primeiro de seus nove livros, "Inspiração Nordestina" (Rio de Janeiro: Borsoi Editor), de 1956, passou pelo rádio. Sua poesia era oral, assim se disseminou pelo sertão e ele ganhou o papel de intérprete, de porta-voz da comunidade. A memória prodigiosa fazia com que armazenasse o que compunha; aos noventa anos era capaz de dizer de cor, sem titubear, o mais longo de todos os seus poemas: "O Vim-Vim", publicado no livro "Cante lá que eu canto cá" (Petrópolis: Vozes, 1978). Seu grande momento era o da performance, quando o corpo todo expressava o que ele dizia, e o homem de um metro e meio se agigantava, a voz se alteava e os gestos eram eloqüentes.
2. João Cabral de Melo Neto
João Cabral de Melo Neto (9 de janeiro de 1920, Recife - 9 de outubro de 1999, Rio de Janeiro) foi um poeta e diplomata brasileiro. Pertencia a uma das mais tradicionais famílias do Pernambuco, sendo irmão do historiador Evaldo Cabral de Mello e primo do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freyre. Conhecido pelo rigor estético de seus versos, avessos a confessionalismos e marcados pelo uso de rimas toantes, a obra poética de João Cabral foi justamente reconhecida por laureações como o Prémio Camões (mais importante premiação da literatura em língua portuguesa) em 1990, o Neustadt International Prize for Literature em 1992 e o Prêmio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana em 1994. Além de poeta, viajou pelo mundo inteiro em seu ofício como diplomata. Dos inúmeros países que conheceu, nutriu especial afeição pela Espanha, em especial a região de Sevilha, fonte de inspiração para muitos de seus versos, muitas vezes comparada a Recife. A primeira cidade onde serviu foi Barcelona, na década de 1940, quando conheceu grandes amigos como o pintor Juan Miró e o poeta Joan Brossa. Autor de Morte e Vida Severina (poema musicado por Chico Buarque), João Cabral foi também membro da Academia Brasileira de Letras.
Sobre sua obra:
Quando o leitor é confrontado com a poesia de Melo Neto apercebe-se, a princípio, de um certo número de dualidades antitéticas, por vezes obsessivas. Entre espaço e tempo, entre o dentro e o fora, entre o maciço e o não-maciço. Entre o masculino e o feminino, entre o Nordeste desértico e a Andaluzia fértil, ou entre a Caatinga desértica e o úmido Pernambuco. É uma poesia que causa algum estranhamento porque não é emotiva, mas sim cerebral. Melo Neto não recorre ao pathos ("paixão") para criar uma atmosfera poética. Mas sim a uma construção elaborada e pensada da linguagem e do dizer da sua poesia. Algumas palavras são usadas sistematicamente na poesia deste autor: cana, pedra, osso, esqueleto, dente, gume, navalha, faca, foice, lâmina, cortar, esfolado, baía, relógio, seco, mineral, deserto, asséptico, vazio, fome.
Bibliografia:
Pedra do Sono (1942)
Os Três Mal-Amados (1943)
O Engenheiro (1945)
Psicologia da Composição com a Fábula de Anfion e Antiode (1947)
O Cão Sem Plumas (1950)
O Rio ou Relação da Viagem que Faz o Capibaribe de Sua Nascente à Cidade do Recife (1954)
Dois Parlamentos (1960)
Quaderna (1960)
A Educação pela Pedra (1966)
Morte e Vida Severina (1966)
Museu de Tudo (1975)
A Escola das Facas (1980)
Auto do Frade (1984)
Agrestes (1985)
Crime na Calle Relator (1987)
Primeiros Poemas (1990)
Sevilha Andando (1990)
3. Luiz Gonzaga
Luiz Gonzaga do Nascimento (Exu, 13 de dezembro de 1912 - Recife, 2 de agosto de 1989) foi um compositor popular brasileiro, conhecido como o "rei do baião". Nasceu em uma fazenda chamada Caiçara, no sopé da Serra de Araripe, na zona rural de Exu, no sertão de Pernambuco. O lugar seria revivido anos mais tarde em "Pé de Serra", uma de suas primeiras composições. Seu pai, Januário, trabalhava na roça, num latifúndio, e nas horas vagas tocava sanfona (também consertava o instrumento). Foi com ele que Luiz Gonzaga aprendeu a tocá-la. Não era nem adolescente ainda, quando passou a se apresentar em bailes, forrós e feiras, de início acompanhando seu pai.
Autêntico representante da cultura nordestina, manteve-se fiel às suas origens mesmo seguindo carreira musical no sul do Brasil. O gênero musical que o consagrou foi o baião. A canção emblemática de sua carreira foi Asa Branca, que compôs em 1947, em parceria com o advogado cearense Humberto Teixeira. Aos dezoito anos, ele se apaixonou por uma moça da região e, repelido pelo pai dela, um coronel, ameaçou-o de morte. Januário lhe deu uma surra por isso; revoltado, Luiz Gonzaga fugiu de casa e ingressou no exército em Crato, Ceará. A partir dali, durante nove anos ele viajou por vários estados brasileiros, como soldado. Em Juiz de Fora-MG, conheceu Domingos Ambrósio, também soldado e conhecido na região pela sua habilidade como sanfoneiro. Dele, recebeu importantes lições musicais. Em 1939, deu baixa do Exército no Rio de Janeiro, decidido a se dedicar à música. Na então capital do Brasil, começou por tocar na zona do meretrício.
No início da carreira, apenas solava sanfona (instrumentista), tendo choros, sambas, fox e outros gêneros da época. Seu repertório era composto basicamente de músicas estrangeiras que apresentava, sem sucesso, em programas de calouros. Até que, no programa de Ary Barroso, ele foi aplaudido executando "Vira e Mexe" (a primeira música que gravou em 78 rpm; disco de 78 rotações por minuto), um tema de sabor regional, de sua autoria. Veio daí a sua primeira contratação, pela rádio Nacional.
Em 11 de abril de 1945, Luiz Gonzaga gravou sua primeira música como cantor, no estúdio da RCA Victor: a mazurca Dança Mariquinha em parceria com Saulo Augusto Silveira Oliveira. Também em 1945, uma cantora de coro chamada Odaléia Guedes deu à luz a um menino, no Rio. Luiz Gonzaga tinha um caso com a moça - iniciado provavelmente quando ela já estava grávida - e assumiu a paternidade do rebento, adotando-o e dando-lhe seu nome: Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior. Gonzaguinha foi criado pelos seus padrinhos, com a assistência financeira do artista.
Em 1948, Luiz se casou com a pernambucana Helena Cavalcanti, professora que tinha se tornado sua secretária particular. O casal viveu junto até perto do final da vida de "Lua". Não teve filhos, já que ele era estéril. Morreu vítima de parada cárdio-respiratória no Hospital Santa Joana na capital pernambucana e foi sepultado em seu município natal.
Sucessos:
A dança da moda, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1950)
A feira de Caruaru, Onildo Almeida (1957)
A letra I, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1953)
A morte do vaqueiro, Luiz Gonzaga e Nelson Barbalho (1963)
A triste partida, Patativa do Assaré (1964)
A vida do viajante, Hervé Cordovil e Luiz Gonzaga (1953)
Acauã, Zé Dantas (1952)
Adeus, Iracema, Zé Dantas (1962)
Á-bê-cê do sertão, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1953)
Adeus, Pernambuco, Hervé Cordovil e Manezinho Araújo (1952)
Algodão, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1953)
Amanhã eu vou, Beduíno e Luiz Gonzaga (1951)
Amor da minha vida, Benil Santos e Raul Sampaio (1960)
Asa-branca, Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (1947)
Assum-preto, Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (1950)
Ave-maria sertaneja, Júlio Ricardo e O. de Oliveira (1964)
Baião da Penha, David Nasser e Guio de Morais (1951)
Beata Mocinha, Manezinho Araújo e Zé Renato (1952)
Boi bumbá, Gonzaguinha e Luiz Gonzaga (1965)
Boiadeiro, Armando Cavalcanti e Klécius Caldas (1950)
Cacimba Nova, José Marcolino e Luiz Gonzaga (1964)
Calango da lacraia, Jeová Portela e Luiz Gonzaga (1946)
Chofer de praça, Evaldo Ruy e Fernando Lobo (1950)
Cigarro de paia, Armando Cavalcanti e Klécius Caldas (1951)
Cintura fina, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1950)
Cortando pano, Jeová Portela, Luiz Gonzaga e Miguel Lima (1945)
Dezessete légua e meia, Carlos Barroso e Humberto Teixeira (1950)
Feira de gado, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1954)
Firim, firim, firim, Alcebíades Nogueira e Luiz Gonzaga (1948)
Fogo sem fuzil, José Marcolino e Luiz Gonzaga (1965)
Fole gemedor, Luiz Gonzaga (1964)
Forró de Mané Vito, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1950)
Forró de Zé Antão, Zé Dantas (1962)
Forró de Zé do Baile, Severino Ramos (1964)
Forró de Zé Tatu, Jorge de Castro e Zé Ramos (1955)
Forró no escuro, Luiz Gonzaga (1957)
Fuga da África, Luiz Gonzaga (1944)
Hora do adeus, Luiz Queiroga e Onildo Almeida (1967)
Imbalança, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1952)
Jardim da saudade, Alcides Gonçalves e Lupicínio Rodrigues (1952)
Juca, Lupicínio Rodrigues (1952)
Lascando o cano, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1954)
Légua tirana, Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (1949)
Lembrança de primavera, Gonzaguinha (1964)
Liforme instravagante, Raimundo Granjeiro (1963)
Lorota boa, Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (1949)
Moda da mula preta, Raul Torres (1948)
Moreninha tentação, Sylvio Moacyr de Araújo e Luiz Gonzaga (1953)
No Ceará não tem disso, não, Guio de Morais (1950)
No meu pé de serra, Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (1947)
Noites brasileiras, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1954)
Numa sala de reboco, José Marcolino e Luiz Gonzaga (1964)
O maior tocador, Luiz Guimarães (1965)
O xote das meninas, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1953)
Ô véio macho, Rosil Cavalcanti (1962)
Óia eu aqui de novo, Antônio Barros (1967)
Olha pro céu, Luiz Gonzaga e Peterpan (1951)
Ou casa, ou morre, Elias Soares (1967)
Ovo azul, Miguel Lima e Paraguaçu (1946)
Padroeira do Brasil, Luiz Gonzaga e Raimundo Granjeiro (1955)
Pão-duro, Assis Valente e Luiz Gonzaga (1946)
Pássaro carão, José Marcolino e Luiz Gonzaga (1962)
Pau-de-arara, Guio de Morais e Luiz Gonzaga (1952)
Paulo Afonso, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1955)
Pé de serra, Luiz Gonzaga (1942)
Penerô xerém, Luiz Gonzaga e Miguel Lima (1945)
Perpétua, Luiz Gonzaga e Miguel Lima (1946)
Piauí, Sylvio Moacyr de Araújo (1952)
Piriri, Albuquerque e João Silva (1965)
Quase maluco, Luiz Gonzaga e Victor Simon (1950)
Quer ir mais eu?, Luiz Gonzaga e Miguel Lima (1947)
Quero chá, José Marcolino e Luiz Gonzaga (1965)
Padre sertanejo, Helena Gonzaga e Pantaleão (1964)
Respeita Januário, Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (1950)
Riacho do Navio, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1955)
Sabiá, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1951)
Sanfona do povo, Luiz Gonzaga e Luiz Guimarães (1964)
Sanfoneiro Zé Tatu, Onildo Almeida (1962)
São-joão na roça, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1952)
Siri jogando bola, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1956)
Vem, morena, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1950)
Vira-e-mexe, Luiz Gonzaga (1941)
Xanduzinha, Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (1950)
Xote dos cabeludos, José Clementino e Luiz Gonzaga (1967)
4. Antônio Nóbrega
Antônio Carlos Nóbrega (Recife, 2 de maio de 1952) é um artista e músico brasileiro. Começou sua carreira tocando em orquestras no Recife, e integrou o Quinteto Armorial na década de 1970. Nóbrega toca canções tradicionais pernambucanas, com violino e rabeca. Nóbrega também é um pesquisador da cultura popular brasileira na forma de músicas e danças. Nóbrega revelou-se um fenômeno, ao conseguir unir a arte popular com a sofisticação. É, literalmente, um homem dos sete instrumentos, capaz de cantar, dançar, tocar bateria, rabeca, violão etc. Realizou espetáculos memoráveis em teatros do Rio de Janeiro e de São Paulo, com destaques para Figural (1990) e Brincante (1992). Figural é um espetáculo em que Nóbrega, sozinho no palco, muda de roupa e de máscaras para fazer uma das mais ricas demonstrações da cultura popular brasileira e mundial.
Terminou em 12 de novembro de 2006 a temporada paulistana do espetáculo 9 de Frevereiro, e está começando a temporada carioca. Este espetáculo, cujo nome é uma alusão ao Carnaval pernambucano e um trocadilho com frevo, explora várias formas de se tocar frevo: com uma orquestra de sopro, com um regional, com violino e percussão etc. Também há várias das formas de se dançar frevo: com apenas um dançarino (Nóbrega) em passos estilizados de dança moderna, com vários dançarinos em passos de frevo, com e sem sombrinha e até o público todo, em ciranda de frevo. Como não poderia faltar em um espetáculo enciclopédico sobre o frevo, há pelo menos dois momentos didáticos: em um a orquestra explica várias modalidades e costumes do frevo, e Antônio Nóbrega ensina uma pessoa da platéia a dançar frevo. Antônio Nóbrega tem vários CDs gravados e um DVD - Lunário Perpétuo - no qual apresenta um raro momento de magia ao cantar o romance de Riobaldo e Diadorim, extraído de Grande Sertão: Veredas, do escritor Guimarães Rosa.
Nóbrega é praticamente desconhecido na televisão do Brasil. Apesar disso, seus espetáculos são extremamente concorridos.
Em meio a uma vida tão difícil, ler os folhetos de cordel e ouvir os cantadores fizeram-no ver que também poderia fazer poesia. Com o apoio da mãe, vendeu uma ovelha aos 16 anos e comprou sua primeira viola. Passou então, como dizia em entrevistas, a fazer quadrinhas e a se apresentar nos sítios para distrair os serranos, moradores da região. Em 1928, um parente levou-o ao Pará, onde ganharia o apelido de Patativa, numa referência a um passarinho de belo canto. De volta à agricultura e incorporando "do Assaré" ao nome artístico, compôs quase toda a sua obra, cantada e recontada que era pelos serranos, matutos, e feirantes do Crato (CE), a cidade onde vendia sua produção e encontrava os amigos com os quais tomava sua cachaça.
Falar de cordel como sinônimo de folheto de feira na obra do poeta Patativa do Assaré talvez seja simplificador demais. Compreendendo cordel como uma manifestação fabulosa do mundo e considerando Patativa um bardo, pode-se dizer que cordel foi tudo o que ele fez ao longo de 93 anos de vida, dando novo significado a um conjunto de narrativas que mistura as tradições de trovadores europeus com contribuições de índios e negros. A influência indígena, da etnia cariri, se dá na alegria, da qual as bandas, como a dos Irmãos Aniceto, do Crato, seriam o melhor exemplo. A herança africana viria dos cantos de trabalho (cocos) e das irmandades dos negros da região, com sua coroação dos Reis dos Congos.
O primeiro de seus nove livros, "Inspiração Nordestina" (Rio de Janeiro: Borsoi Editor), de 1956, passou pelo rádio. Sua poesia era oral, assim se disseminou pelo sertão e ele ganhou o papel de intérprete, de porta-voz da comunidade. A memória prodigiosa fazia com que armazenasse o que compunha; aos noventa anos era capaz de dizer de cor, sem titubear, o mais longo de todos os seus poemas: "O Vim-Vim", publicado no livro "Cante lá que eu canto cá" (Petrópolis: Vozes, 1978). Seu grande momento era o da performance, quando o corpo todo expressava o que ele dizia, e o homem de um metro e meio se agigantava, a voz se alteava e os gestos eram eloqüentes.
2. João Cabral de Melo Neto
João Cabral de Melo Neto (9 de janeiro de 1920, Recife - 9 de outubro de 1999, Rio de Janeiro) foi um poeta e diplomata brasileiro. Pertencia a uma das mais tradicionais famílias do Pernambuco, sendo irmão do historiador Evaldo Cabral de Mello e primo do poeta Manuel Bandeira e do sociólogo Gilberto Freyre. Conhecido pelo rigor estético de seus versos, avessos a confessionalismos e marcados pelo uso de rimas toantes, a obra poética de João Cabral foi justamente reconhecida por laureações como o Prémio Camões (mais importante premiação da literatura em língua portuguesa) em 1990, o Neustadt International Prize for Literature em 1992 e o Prêmio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana em 1994. Além de poeta, viajou pelo mundo inteiro em seu ofício como diplomata. Dos inúmeros países que conheceu, nutriu especial afeição pela Espanha, em especial a região de Sevilha, fonte de inspiração para muitos de seus versos, muitas vezes comparada a Recife. A primeira cidade onde serviu foi Barcelona, na década de 1940, quando conheceu grandes amigos como o pintor Juan Miró e o poeta Joan Brossa. Autor de Morte e Vida Severina (poema musicado por Chico Buarque), João Cabral foi também membro da Academia Brasileira de Letras.
Sobre sua obra:
Quando o leitor é confrontado com a poesia de Melo Neto apercebe-se, a princípio, de um certo número de dualidades antitéticas, por vezes obsessivas. Entre espaço e tempo, entre o dentro e o fora, entre o maciço e o não-maciço. Entre o masculino e o feminino, entre o Nordeste desértico e a Andaluzia fértil, ou entre a Caatinga desértica e o úmido Pernambuco. É uma poesia que causa algum estranhamento porque não é emotiva, mas sim cerebral. Melo Neto não recorre ao pathos ("paixão") para criar uma atmosfera poética. Mas sim a uma construção elaborada e pensada da linguagem e do dizer da sua poesia. Algumas palavras são usadas sistematicamente na poesia deste autor: cana, pedra, osso, esqueleto, dente, gume, navalha, faca, foice, lâmina, cortar, esfolado, baía, relógio, seco, mineral, deserto, asséptico, vazio, fome.
Bibliografia:
Pedra do Sono (1942)
Os Três Mal-Amados (1943)
O Engenheiro (1945)
Psicologia da Composição com a Fábula de Anfion e Antiode (1947)
O Cão Sem Plumas (1950)
O Rio ou Relação da Viagem que Faz o Capibaribe de Sua Nascente à Cidade do Recife (1954)
Dois Parlamentos (1960)
Quaderna (1960)
A Educação pela Pedra (1966)
Morte e Vida Severina (1966)
Museu de Tudo (1975)
A Escola das Facas (1980)
Auto do Frade (1984)
Agrestes (1985)
Crime na Calle Relator (1987)
Primeiros Poemas (1990)
Sevilha Andando (1990)
3. Luiz Gonzaga
Luiz Gonzaga do Nascimento (Exu, 13 de dezembro de 1912 - Recife, 2 de agosto de 1989) foi um compositor popular brasileiro, conhecido como o "rei do baião". Nasceu em uma fazenda chamada Caiçara, no sopé da Serra de Araripe, na zona rural de Exu, no sertão de Pernambuco. O lugar seria revivido anos mais tarde em "Pé de Serra", uma de suas primeiras composições. Seu pai, Januário, trabalhava na roça, num latifúndio, e nas horas vagas tocava sanfona (também consertava o instrumento). Foi com ele que Luiz Gonzaga aprendeu a tocá-la. Não era nem adolescente ainda, quando passou a se apresentar em bailes, forrós e feiras, de início acompanhando seu pai.
Autêntico representante da cultura nordestina, manteve-se fiel às suas origens mesmo seguindo carreira musical no sul do Brasil. O gênero musical que o consagrou foi o baião. A canção emblemática de sua carreira foi Asa Branca, que compôs em 1947, em parceria com o advogado cearense Humberto Teixeira. Aos dezoito anos, ele se apaixonou por uma moça da região e, repelido pelo pai dela, um coronel, ameaçou-o de morte. Januário lhe deu uma surra por isso; revoltado, Luiz Gonzaga fugiu de casa e ingressou no exército em Crato, Ceará. A partir dali, durante nove anos ele viajou por vários estados brasileiros, como soldado. Em Juiz de Fora-MG, conheceu Domingos Ambrósio, também soldado e conhecido na região pela sua habilidade como sanfoneiro. Dele, recebeu importantes lições musicais. Em 1939, deu baixa do Exército no Rio de Janeiro, decidido a se dedicar à música. Na então capital do Brasil, começou por tocar na zona do meretrício.
No início da carreira, apenas solava sanfona (instrumentista), tendo choros, sambas, fox e outros gêneros da época. Seu repertório era composto basicamente de músicas estrangeiras que apresentava, sem sucesso, em programas de calouros. Até que, no programa de Ary Barroso, ele foi aplaudido executando "Vira e Mexe" (a primeira música que gravou em 78 rpm; disco de 78 rotações por minuto), um tema de sabor regional, de sua autoria. Veio daí a sua primeira contratação, pela rádio Nacional.
Em 11 de abril de 1945, Luiz Gonzaga gravou sua primeira música como cantor, no estúdio da RCA Victor: a mazurca Dança Mariquinha em parceria com Saulo Augusto Silveira Oliveira. Também em 1945, uma cantora de coro chamada Odaléia Guedes deu à luz a um menino, no Rio. Luiz Gonzaga tinha um caso com a moça - iniciado provavelmente quando ela já estava grávida - e assumiu a paternidade do rebento, adotando-o e dando-lhe seu nome: Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior. Gonzaguinha foi criado pelos seus padrinhos, com a assistência financeira do artista.
Em 1948, Luiz se casou com a pernambucana Helena Cavalcanti, professora que tinha se tornado sua secretária particular. O casal viveu junto até perto do final da vida de "Lua". Não teve filhos, já que ele era estéril. Morreu vítima de parada cárdio-respiratória no Hospital Santa Joana na capital pernambucana e foi sepultado em seu município natal.
Sucessos:
A dança da moda, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1950)
A feira de Caruaru, Onildo Almeida (1957)
A letra I, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1953)
A morte do vaqueiro, Luiz Gonzaga e Nelson Barbalho (1963)
A triste partida, Patativa do Assaré (1964)
A vida do viajante, Hervé Cordovil e Luiz Gonzaga (1953)
Acauã, Zé Dantas (1952)
Adeus, Iracema, Zé Dantas (1962)
Á-bê-cê do sertão, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1953)
Adeus, Pernambuco, Hervé Cordovil e Manezinho Araújo (1952)
Algodão, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1953)
Amanhã eu vou, Beduíno e Luiz Gonzaga (1951)
Amor da minha vida, Benil Santos e Raul Sampaio (1960)
Asa-branca, Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (1947)
Assum-preto, Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (1950)
Ave-maria sertaneja, Júlio Ricardo e O. de Oliveira (1964)
Baião da Penha, David Nasser e Guio de Morais (1951)
Beata Mocinha, Manezinho Araújo e Zé Renato (1952)
Boi bumbá, Gonzaguinha e Luiz Gonzaga (1965)
Boiadeiro, Armando Cavalcanti e Klécius Caldas (1950)
Cacimba Nova, José Marcolino e Luiz Gonzaga (1964)
Calango da lacraia, Jeová Portela e Luiz Gonzaga (1946)
Chofer de praça, Evaldo Ruy e Fernando Lobo (1950)
Cigarro de paia, Armando Cavalcanti e Klécius Caldas (1951)
Cintura fina, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1950)
Cortando pano, Jeová Portela, Luiz Gonzaga e Miguel Lima (1945)
Dezessete légua e meia, Carlos Barroso e Humberto Teixeira (1950)
Feira de gado, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1954)
Firim, firim, firim, Alcebíades Nogueira e Luiz Gonzaga (1948)
Fogo sem fuzil, José Marcolino e Luiz Gonzaga (1965)
Fole gemedor, Luiz Gonzaga (1964)
Forró de Mané Vito, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1950)
Forró de Zé Antão, Zé Dantas (1962)
Forró de Zé do Baile, Severino Ramos (1964)
Forró de Zé Tatu, Jorge de Castro e Zé Ramos (1955)
Forró no escuro, Luiz Gonzaga (1957)
Fuga da África, Luiz Gonzaga (1944)
Hora do adeus, Luiz Queiroga e Onildo Almeida (1967)
Imbalança, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1952)
Jardim da saudade, Alcides Gonçalves e Lupicínio Rodrigues (1952)
Juca, Lupicínio Rodrigues (1952)
Lascando o cano, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1954)
Légua tirana, Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (1949)
Lembrança de primavera, Gonzaguinha (1964)
Liforme instravagante, Raimundo Granjeiro (1963)
Lorota boa, Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (1949)
Moda da mula preta, Raul Torres (1948)
Moreninha tentação, Sylvio Moacyr de Araújo e Luiz Gonzaga (1953)
No Ceará não tem disso, não, Guio de Morais (1950)
No meu pé de serra, Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (1947)
Noites brasileiras, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1954)
Numa sala de reboco, José Marcolino e Luiz Gonzaga (1964)
O maior tocador, Luiz Guimarães (1965)
O xote das meninas, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1953)
Ô véio macho, Rosil Cavalcanti (1962)
Óia eu aqui de novo, Antônio Barros (1967)
Olha pro céu, Luiz Gonzaga e Peterpan (1951)
Ou casa, ou morre, Elias Soares (1967)
Ovo azul, Miguel Lima e Paraguaçu (1946)
Padroeira do Brasil, Luiz Gonzaga e Raimundo Granjeiro (1955)
Pão-duro, Assis Valente e Luiz Gonzaga (1946)
Pássaro carão, José Marcolino e Luiz Gonzaga (1962)
Pau-de-arara, Guio de Morais e Luiz Gonzaga (1952)
Paulo Afonso, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1955)
Pé de serra, Luiz Gonzaga (1942)
Penerô xerém, Luiz Gonzaga e Miguel Lima (1945)
Perpétua, Luiz Gonzaga e Miguel Lima (1946)
Piauí, Sylvio Moacyr de Araújo (1952)
Piriri, Albuquerque e João Silva (1965)
Quase maluco, Luiz Gonzaga e Victor Simon (1950)
Quer ir mais eu?, Luiz Gonzaga e Miguel Lima (1947)
Quero chá, José Marcolino e Luiz Gonzaga (1965)
Padre sertanejo, Helena Gonzaga e Pantaleão (1964)
Respeita Januário, Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (1950)
Riacho do Navio, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1955)
Sabiá, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1951)
Sanfona do povo, Luiz Gonzaga e Luiz Guimarães (1964)
Sanfoneiro Zé Tatu, Onildo Almeida (1962)
São-joão na roça, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1952)
Siri jogando bola, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1956)
Vem, morena, Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1950)
Vira-e-mexe, Luiz Gonzaga (1941)
Xanduzinha, Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga (1950)
Xote dos cabeludos, José Clementino e Luiz Gonzaga (1967)
4. Antônio Nóbrega
Antônio Carlos Nóbrega (Recife, 2 de maio de 1952) é um artista e músico brasileiro. Começou sua carreira tocando em orquestras no Recife, e integrou o Quinteto Armorial na década de 1970. Nóbrega toca canções tradicionais pernambucanas, com violino e rabeca. Nóbrega também é um pesquisador da cultura popular brasileira na forma de músicas e danças. Nóbrega revelou-se um fenômeno, ao conseguir unir a arte popular com a sofisticação. É, literalmente, um homem dos sete instrumentos, capaz de cantar, dançar, tocar bateria, rabeca, violão etc. Realizou espetáculos memoráveis em teatros do Rio de Janeiro e de São Paulo, com destaques para Figural (1990) e Brincante (1992). Figural é um espetáculo em que Nóbrega, sozinho no palco, muda de roupa e de máscaras para fazer uma das mais ricas demonstrações da cultura popular brasileira e mundial.
Terminou em 12 de novembro de 2006 a temporada paulistana do espetáculo 9 de Frevereiro, e está começando a temporada carioca. Este espetáculo, cujo nome é uma alusão ao Carnaval pernambucano e um trocadilho com frevo, explora várias formas de se tocar frevo: com uma orquestra de sopro, com um regional, com violino e percussão etc. Também há várias das formas de se dançar frevo: com apenas um dançarino (Nóbrega) em passos estilizados de dança moderna, com vários dançarinos em passos de frevo, com e sem sombrinha e até o público todo, em ciranda de frevo. Como não poderia faltar em um espetáculo enciclopédico sobre o frevo, há pelo menos dois momentos didáticos: em um a orquestra explica várias modalidades e costumes do frevo, e Antônio Nóbrega ensina uma pessoa da platéia a dançar frevo. Antônio Nóbrega tem vários CDs gravados e um DVD - Lunário Perpétuo - no qual apresenta um raro momento de magia ao cantar o romance de Riobaldo e Diadorim, extraído de Grande Sertão: Veredas, do escritor Guimarães Rosa.
Nóbrega é praticamente desconhecido na televisão do Brasil. Apesar disso, seus espetáculos são extremamente concorridos.