sexta-feira, 30 de abril de 2010

Proseando na sombra do juazeiro


Nessa vida viajante
Declamando poesia
Num lugarzinho distante
Eu cheguei um certo dia
Para uma apresentação
E antes da preparação
Do palco pra brincadeira
Eu saí perambulando
Pela rua observando
O movimento da feira

A feira era pequenina
Como todas do sertão
Porém olhei pra uma esquina
Que me chamou atenção
Onde um branco incrementado
Estava ali instalado
Cheio de mercadoria
E assim com muita classe
De tudo que procurasse
Naquele banco vendia

Eu fui perto observar
Pra fazer a descrição
E também examinar
Pra que tivesse noção
De todo esse disparate
No banco tinha: alicate
Prego, martelo, ponteira
Pinhão, bodoque, chocalho
Pimenta do reino, alho
Foice, enxada e baladeira

Tinha corda de laçar
Espora, sela, gibão
Pote, gamela, alguedar
Machado, ancinho, facão
Sapólio pra lavar prato
Tinha veneno pra rato
Chicote e chapéu de couro
Feijão de corda, pimenta
Hóstia, terço e água benta
Anel e cordão de ouro

Vassoura, cabo de enxada
Caco pra torrar café
Rapadura, arroz, cocada
Rosário de catolé
Roupas de mescla ou de linho
Gaiola pra passarinho
Bucha e barra de sabão
Cavalo de pau, carrinho
Urupema, cana, vinho
Cangalha e carro de mão

Chá de toda qualidade
Para curar qualquer mau
E nessa variedade
Tempero, colher de pau
Remédio para coceira
Babosa erva cidreira
Erva doce e capim santo
Estando contaminado
Tinha oração pra olhado
Pra feitiço e pra quebranto

Vi ralo pra ralar milho
Balaio e caçuá
Goma pra fazer sequilho
Tapioca, mungunzá
Broa, bolacha, banana
Garapa, caldo de cana
Gergelim e grão-de-bico
Blusa, sutiã, calcinha
Cueca, calça, tanguinha
Absorvente e pinico

Tinha loção pra cabelo
Pente, ataca e marrafa
Suco com raspa de gelo
Anzol, jereré, tarrafa
Remédio pra dor de dente
E mordida de serpente
Se acaso fosse atacada
A vaca a cabra ou a galinha
Lá no banco também tinha
Uma corrêa curada

Porém eu fiquei pasmado
E vou relatar o assunto
Quando alguém disse: Seu Nado
Vende caixão de defunto??
Ele disse, não vendia
Mas depende da quantia
Que eu resolvo isso ligeiro
E se o seu caso é urgente
Eu irei rapidamente
Contratar um marceneiro

Daquele dia em diante
Seu Nado firmou contrato
Com o marceneiro, e garante
Não faltar esse artefato
Pra comercializar
Se acaso alguém precisar
Dessa mala de madeira
Pra partir pra eternidade
Vai encontrar na verdade
Naquele banco de feira


Publicado por Luiz Berto em PROSEANDO NA SOMBRA DO JUAZEIRO - Carlos Aires
Fonte: Jornal da Besta Fubana

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Patrimônios podem virar ruínas


Há 82 anos, uma cena colocava abaixo uma das primeiras tentativas de preservar monumentos históricos em Pernambuco. Naquela época a falta de informação e consciência sobre a importância de bens patrimoniais talvez explicasse o que sucedeu. Em 1928, o governo de Pernambuco criou uma lei para preservar seus monumentos. A casa-grande do Engenho Megaípe, no município de Cabo de Santo Agostinho, foi um dos primeiros a integrar a lista de edifícios com valor histórico. Ao saber da lista, o senhor do engenho mandou dinamitar a edificação. A cena que se repetiu, em pleno século 21, com a derrubada do Engenho São Bartolomeu, em Jaboatão dos Guararapes, no último domingo, mostra a fragilidade da legislação na proteção de bens tombados ou não.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) só foi criado quase 10 anos depois que o Megaípe virou ruínas. De lá para cá, já se passaram 73 anos e apenas um engenho no estado foi tombado na esferal federal, o engenho Poço Comprido, em Vicência, na Zona da Mata Norte. Um inventário do que resta na área de engenhos começou a ser feito pelo Iphan desde 2008. Até agora foram identificados 443 bens, entre engenhos e ruínas passíveis de tombamento federal e que ainda estão em risco. O trabalho, ainda não concluído, foi feito em apenas cinco municípios do litoral Sul e parte da Zona da Mata.

A corrida para tentar salvar esses bens patrimoniais esbarra na falta de entendimento sobre a legislação de tombamento. "Mesmo com essa documentação os bens só passam a ser protegidos com o início do processo de tombamento. Se nesse intervalo houver algum dano ao patrimônio não há nada que possamos fazer, como no caso do São Bartolomeu que, sequer, tinha começado o processo por parte da Prefeitura de Jaboatão", revelou o superintendente do Iphan, Frederico Almeida. Já se os bens tombados forem danificados, os responsáveis podem responder civil e criminalmente. De acordo com o decreto federal 25/37, as multas variam de R$ 10 a R$ 500 mil . "Nos danos irreparáveis pode haver até prisão", afirmou Almeida.

Entre os engenhos ainda desprotegidos no estado estão o Tabatinga, Novo da Conceição e Iguape, no município de Vicência. Outros dois inventários, na esfera estadual, também tentaram registrar o que há de valor no estado e precisa ser preservado. O primeiro levantamento feito em 1978 pela Fundação do Desenvolvimento Municipal (Fidem), identificou na época apenas 87 bens. "O critério naquela época era outro e muitos bens ficaram de fora, inclusive o Engenho São Bartolomeu", explicou a pesquisadora Nazaré Reis, da Fundarpe. O segundo inventário do Plano de Preservação dos Sítio Históricos do Interior, em 1982, identificou mais 86 patrimônios. Nos dois casos não se sabe o que ainda se mantém preservado.

"Teremos que atualizar essas informações e dar início ao processo de tombamento antes que o nosso patrimônio se perca ainda mais", revelou a diretora de patrimônio da Fundarpe, Célia Campos. A arquiteta Sylvia Tigre, que também participou da elaboração do segundo inventário, fala com tristeza do que já havia se perdido há mais de 20 anos. "O acervo azulejar, por exemplo já tinha sido praticamente dizimado. Eu não quero nem saber como está a situação hoje que dá uma dor no coração", revelou.

Para o arquiteto José Luís da Mota Menezes será preciso um melhor entendimento sobre a legislação de tombamento, do contrário o patrimônio ficará vulnerável à ira dos proprietários. "Há uma grande confusão sobre o objetivo do tombamento, que é o bem classificado. É estranho para muita gente saber que o seu bem vai ser tombado sem entender o seu significado", afirmou. A percepção que se tem, segundo o arquiteto, é apenas sobre as restrições. "Eles não têm orgulho de saber que o seu bem é especial e por isso foi classificado. Acho que falta um melhor esclarecimento por parte dos órgãos e uma flexibilização quanto às restrições", ressaltou.

OBS.:A destruição do Engenho São Bartolomeu, em Jaboatão dos Guararapes, expôs a fragilidade do patrimônio do estado, que não se encontra protegido pela legislação. Imagens: Tânia Passos/DP/D.A Press

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Do blog do Magno Martins


No túnel do tempo

Na série do nosso mergulho no passado, homenageamos, hoje, a figura do legendário Coronel Chico Heráclio, de Limoeiro, que aparece sentado numa velha cadeira de palha no terraço da sua fazenda, seu QG, de onde ditava ordens e desafiava os poderosos com seu modo literalmente coronolesco de fazer política. Foi uma colaboração do leitor José Carlos Oliveira. Se você tem uma relíquia política do seu baú como esta, nos mande pelo email: magno@blogdomagno.com.br


O blog: http://www.blogdomagno.com.br/

terça-feira, 27 de abril de 2010

Globo Verão 2010 começa na capital pernambucana

Globo Verão 2010 começa na capital pernambucana, assista ao vídeo, muito bom.


sábado, 24 de abril de 2010

Cobra Cordelista e Amigos

Barraca de Cordel -Nevinha-Mercado São José


Nevinha é uma grande colaboradora da Cultura Nordestina, sempre ajudando na divulgação de artistas que não teriam espaço na mídia.

Que conseguir algum livro, revista, cordel? Basta ir até o tradicional mercado de São José no Recife, e procurar pela Barraca de Cordel de Nevinha, garanto que você vai encontrar o busca.

Obrigado guerreira, por manter acesa a chama de nossa cultura.

Bruna Ranniery de Sertania

Cobra com Ivan Ferraz e Nildo do acordeon

Cobra Cordelista e Palhaço Piui

Cobra Cordelista e Petrúcio Amorim no Forro Verso e Viola

Cobra e Edir Pinto no Côco


Edir Pinto, nosso Vice-Prefeito. Edir Pinto Perez participa ativamente dos 50anos de cultura popular, ao lado de figuras como o Professor Germano Coelho Ex-Prefeito de Olinda, Silke Weber, Dr. Miguel Arraes entre outros nomes importantes para o movimento de cultura popular iniciado em 1960 no Recife.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Senta que lá vem estória

Padre Cícero


O milagre de Juazeiro volta a Roma


Mais cento e vinte anos depois do mistério, a Igreja estuda a reabilitação de padre Cícero

1889: a hóstia vira sangue

LIRA NETO

Naquela noite escura e sem lua, Cícero Romão Batista levantou as mãos para os Céus e pediu perdão pelos pecados do mundo. Quem olhasse de fora em direção às janelas abertas da capela de Nossa Senhora das Dores avistaria, já de longe, o lampejo das centenas de velas acesas cortando o breu. O forte cheiro de cera der-retida e o adiantado da hora indicavam que os membros da irmandade de beatos, cerca de vinte deles, haviam passado mais uma madrugada inteira em vigília, em louvor ao Sagrado Coração de Jesus.

Meia hora antes do amanhecer, quando os galos se preparavam para anunciar outra manhã de sol no sertão, Cícero decidiu que as sete ou oito mulheres ali presentes mereciam receber a comunhão antes dos homens, para retornarem às respectivas casas. Elas precisavam descansar o corpo fatigado da prolongada sentinela. Com véus escuros sobre a cabeça e alvos rosários entrelaçados nas mãos magras e morenas, as beatas atenderam ao chamado e se aproximaram em fila indiana, uma a uma.

À frente delas, ia Maria de Araújo. Com os olhos fechados, foi a primeira a se postar diante do padre e entreabrir a boca, contrita. Quando a hóstia lhe tocou a língua, a beata abriu e revirou os olhos espantados. Parecia ter entrado num estranho transe. Foi então que se deu o fenômeno: segundo chegariam a jurar sobre a Bíblia as testemunhas ali presentes, a hóstia na boca de Maria de Araújo mudou de forma e de cor. Transformou-se em sangue vivo.

O sangue desceu dos lábios da mulher e, como ela tentasse contê-lo, este lhe banhou o dorso da mão esquerda. Depois, escorreu ao longo do braço, até cair ao chão da capela, que ficou respingado de vermelho. Com ar aflito, a beata mirava e mostrava ao padre uma toalhinha branca dobrada nas mãos, tingida pelas manchas rubras que haviam transbordado da boca e que ela depois procurara enxugar. Foi um alvoroço. Quando os primeiros raios de sol aqueceram a alvenaria da fachada principal do templo, a notícia já corria pelo povoado cearense: na branca capela de Nossa Senhora das Dores, entre os lábios da beata Maria de Araújo, a hóstia consagrada pelo padre Cícero havia se materializado na carne e no sangue divino de Jesus. Sangue que, a exemplo do que ocorrera dois milênios antes e no alto da cruz, estaria sendo derramado para lavar os pecados e as dores dos homens.

Foi no dia 1º de março de 1889, uma sexta-feira, véspera da Quaresma. Como a desafiar a incredulidade dos mais céticos, o episódio se repetiria por meses a fio, sempre às quartas e sextas-feiras. No Sábado de Aleluia, o sangue teria jorrado de novo da boca da beata Maria de Araújo. Numa das ocasiões, de tão abundante, chegara a atingir e embeber o corporal - o tecido branco e quadrangular sobre o qual se colocam o cálice com o vinho - e a patena, o pratinho de metal com as hóstias. Seria impossível, diante de tão insistentes e misteriosas manifestações, conter o êxtase coletivo. De imediato, uma palavra passou a ser voz corrente na região: milagre. Juazeiro do Norte transformara-se em chão sagrado.

Moradores das cidades e localidades mais próximas chegavam ao minúsculo povoado, atraídos pelas narrativas que davam conta do sangue de Jesus derramado em pleno agreste. Mas foi em 7 de julho, um domingo que marcava o ápice da festa cristã do Precioso Sangue, que Juazeiro assistiu pela primeira vez à chegada maciça e ordenada de milhares de peregrinos. Foi a primeira de todas as romarias. Naquela manhã, cerca de 3 mil pessoas - quase dez vezes a população do lugarejo - apinharam-se nas estreitas ruelas do local. A maioria era proveniente do Crato e vinha sob as bênçãos expressas do novo reitor do seminário, monsenhor Francisco Rodrigues Monteiro. Conhecido pela oratória inflamada, monsenhor Monteiro conduziu uma procissão até a capela de Nossa Senhora das Dores, naquele dia adornada com velas, flores e fitas coloridas. Ao término da missa, com sua autoridade clerical e o estilo ardoroso de sempre, Monteiro fez um sermão histórico, durante o qual exibiu, com gestos arrebatados, uma toalha manchada de sangue. Segundo ele, não havia dúvidas de que aquele era o verdadeiro sangue de Jesus Cristo.

As palavras do reitor do seminário do Crato contagiaram o mundaréu de gente. A comoção se propagou como descarga elétrica no meio da multidão. Centenas de pessoas se prostraram de joelhos, em choro compulsivo, diante da visão do tecido ensanguentado. Levas de peregrinos se sucederam à romaria inicial. Vinham sempre aos milheiros, a pé ou a cavalo, de perto e de longe, com o intuito de adorar os panos considerados sagrados pelo contato com o sangue divino. Colocadas em uma caixa de vidro e postas à exposição pública na capela do Juazeiro sob a guarda de Cícero, as relíquias tornaram-se alvo de devoção extremada.

Não foi tudo. O Céu parecia ter aberto a caixa de milagres. Pouco depois, em 19 de agosto daquele mesmo ano, espalhou-se que outro fenômeno fantástico ocorrera no povoado. Segundo assegurava Maria de Araújo, dessa vez o próprio Jesus Cristo teria lhe aparecido em visão, enquanto ela orava na capela. Dois dias mais tarde, em nova aparição à beata, em plena celebração da missa pelo padre Cícero, Jesus teria revelado a ela, reservadamente, que decidira fazer do Juazeiro um portal por onde apenas os puros e justos entrassem no reino dos Céus. Monsenhor Monteiro parecia convicto de que a beata falava a verdade. "Não há dúvida de que a beata Maria de Araújo, humilde, pobrezinha, é uma santa, é uma santa como a história ainda não registrou!", escreveu o reitor. "Muitos livros não bastarão para neles se escrever o que há de sobrenatural naquela simples criaturinha de Deus!"

Os romeiros não ousaram duvidar da nova maravilha. Se, de acordo com o que pregava a Igreja, Jesus teria aparecido em outros tempos para um punhado de bem-aventurados, por que não se revelaria agora para Maria de Araújo, que já teria obtido a suprema graça de abrigar o sangue sagrado no interior de sua boca? Se dois séculos antes, em 1675, Jesus teria mostrado o coração exposto em chamas para a freira francesa Margarida Maria Alacoque em um convento da região da Borgonha, por que não poderia repetir o mesmo prodígio, tanto tempo depois, numa capela do pequenino Juazeiro, que tinha o piedoso padre Cícero como seu protetor?

Todos sabiam que a Igreja Católica aceitava, como fato, a crença de que Jesus Cristo, com o peito incendiado de sangue e de luz, teria pedido à francesa Margarida Alacoque que difundisse mundo afora o culto ao Sagrado Coração, confiando-lhe a missão divina de reparar, pela oração, os sortilégios humanos. Pois para os que acorriam em massa a Juazeiro não era de se admirar que o mesmo Cristo houvesse voltado à Terra e anunciado a Maria de Araújo, uma devota fervorosa do Coração de Jesus, que iria fazer, por meio dela, um novo chamamento às almas desgarradas do caminho e da palavra de Deus. Padre Cícero, confessor da beata, seria o grande responsável pelas bênçãos que estavam se derramando sobre o Juazeiro. Era ele que indicaria a todos o caminho dos Céus.

Não demorou para que as histórias espantosas percorressem léguas e mais léguas, até chegar às letras de forma dos principais jornais do país. O primeiro periódico a noticiar o caso foi uma importante gazeta da capital do Império, o Diário do Commercio, que tinha redação, escritório e oficina montados na nevrálgica rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro. "Recebemos a seguinte informação, em carta dirigida da província do Ceará", anunciava o jornal carioca, na edição de 19 de agosto daquele ano de 1889. "Quando o padre Cícero dava a comunhão à virtuosa beata Maria de Araújo, transformou-se a sagrada forma em sangue, que caiu na toalha e na murça da beata, fato que se foi dando todas as sextas-feiras e depois diariamente." Informava-se ainda que "um sem-número de habitantes da cidade do Crato, e de toda a circunvizinhança, concorreu de modo que jamais se viu naquela povoação tamanha aglomeração de fiéis".

Dez dias depois, era a vez do Diário de Pernambuco repercutir a notícia, com maior alarde. "Fato estupendo", lia-se em negrito nas páginas do prestigioso jornal do Recife. A descrição do milagre era novamente seguida da informação de que caravanas de peregrinos não paravam de acorrer ao local. "É provável que esta fiel exposição de um acontecimento sobrenatural levante a incredulidade, e que esta o comente a seu sabor. Mas o que é certo é que ele foi testemunhado por mais de 30 mil pessoas; e que o Juazeiro tem se tornado uma nova Jerusalém pela romaria dos povos vizinhos."

Uma nova Jerusalém. A senha estava dada. A serra do Catolé, com seu espinhaço de pedra recortando o horizonte do Juazeiro, seria o novo monte das Oliveiras. O riacho Salgadinho, que banhava as terras do povoado, o novo Jordão. Jesus Cristo teria escolhido o povo mais simples e o lugar mais remoto para, sobre ele, derramar de novo Sua palavra. Nada mais justo, acreditavam os peregrinos em romaria. Segundo rezava o Novo Testamento, não foram também os primeiros apóstolos homens do povo, humildes e incultos pescadores de peixe, transformados pela fé em pescadores de almas?

Cícero não podia ter dúvidas de quem era o remetente daquela carta que vinha de Fortaleza, datada de 4 de novembro de 1889, com o selo e as armas eclesiásticas gravados no lacre de cera. O bispo do Ceará, dom Joaquim José Vieira, com a autoridade que lhe competia como chefe da Igreja na província, cobrava explicações a respeito dos boatos que lhe chegavam sobre aquele distante povoado. Com caligrafia rebuscada, o tom da correspondência era cortês, mas firme.

"Sou amigo de Vossa Reverendíssima; confio na sinceridade e na sua ilustração e por isso o julgo incapaz de qualquer embuste", iniciava, amistosa, a carta do bispo ao padre Cícero Romão. "Faça-me, com a maior urgência, uma exposição minuciosa de todas as circunstâncias que precederam, que acompanharam e subseguiram o fato, para que eu possa tomar as providências atinentes ao caso", ordenava dom Joaquim. "Enquanto se espera por esse juízo, proíbo expressamente a Vossa Reverendíssima qualquer manifestação a esse respeito", advertia o prelado, para finalizar: "Estou persuadido que Vossa Reverendíssima, ilustrado e piedoso como é, não se escandalizará com esta minha determinação, pois sabe que me incumbe o dever de velar sobre a pureza da doutrina católica. Deixo de fazer mais considerações porque julgo ter explicado bem claramente o meu pensamento."

Apesar das ordens cristalinas contidas na mensagem, o bispo recebeu apenas o silêncio como resposta. Chegou a enviar uma segunda correspondência oficial a Cícero, reiterando a mesma cobrança, que ficou igualmente sem retorno. "Parece-me ser grande imprudência chamar a atenção do público para a beata Maria de Araújo. Este fato pode trazer a ela sentimentos de vaidade, em detrimento da salvação", insistia dom Joaquim, na segunda carta. "Padre Cícero, parece-me prudente não se dar ainda expansão ao fato, porque é possível que mais tarde se verifique ser ele fruto de causas meramente naturais; e então grande ridículo recairá sobre a nossa Santa Religião."

Ao contrário do minucioso relatório que exigia, dom Joaquim viu-se obrigado a ler pela imprensa uma nova notícia sobre os episódios fantásticos. Desta feita, o agravo vinha com assinatura e, portanto, assumida autoria. Uma carta escrita de próprio punho pelo monsenhor Francisco Monteiro, o reitor do seminário do Crato, endereçada a um cônego paulista, acabara de ser publicada em um jornal de São Paulo. Nela, falava-se abertamente em novos milagres. Na carta, reproduzida pela folha religiosa Estrela da Aparecida, monsenhor Monteiro dizia que, no dia 22 de agosto, em Juazeiro, a beata Maria de Araújo chegara à capela de Nossa Senhora das Dores, pouco antes da missa, com a roupa banhada em sangue. Segundo ela, Jesus Cristo havia-se revelado de novo a ela, desta vez devidamente paramentado, de sobrepeliz e estola, como se fosse um padre pronto para subir ao altar. Pelo relato, Jesus oferecera à mulher um cálice de ouro, cheio de vinho, que de imediato se transformara em sangue. Maria de Araújo bebera a metade do líquido e a outra metade teria sido derramada pelo próprio Jesus sobre a cabeça da beata. "Quero que bebas o meu Sangue e te banhes com ele", dissera-lhe Cristo, ainda conforme a carta assinada e tornada pública pelo reitor do seminário do Crato. "Quero fazer deste lugar, Juazeiro, um chamado para a salvação dos homens. É este um esforço de amor do meu coração", acrescentara Jesus à beata Maria de Araújo.

O bispo se convenceu de que estava diante de um grave caso de indisciplina. Meses antes, recebera em audiência no palácio episcopal, em Fortaleza, o mesmo monsenhor Monteiro, que não lhe fizera a mais leve menção ao assunto. Dom Joaquim sentiu-se ludibriado. Tanto por Monteiro quanto por Cícero. Este, em junho, três meses depois da primeira ocorrência dos alegados milagres, chegara a lhe enviar longa carta. Nela, também não havia nenhuma palavra sobre o caso. Apenas um dramático apelo para que o bispado intercedesse junto às autoridades e conseguisse uma possível ajuda contra a seca que mais uma vez assolava a província. "Vossa Excelência Reverendíssima, por caridade e por Nossa Senhora das Dores que é dona deste lugarzinho tão caro a seu sagrado coração, seja o instrumento de que ela se sirva para nos salvar", implorara Cícero. "Eu não sou nada, tenho consciência do pouco que sou e por isso não me atrevo a dirigir-me aos que governam; são políticos, só com políticos se entendem. Lembrei-me de pedir a Vossa Excelência, que sabe chorar com os que choram, para se interessar por nós, nos alcançando algum recurso do Governo", dizia a carta. "Temos pedido muito a Nosso Senhor e os meus pecados impedem que ele ouça! Como posso ver esse pobre povinho que amo tanto, como uma parte de minha alma, desaparecer?", escrevera o padre Cícero. Sobre hóstias que se transformavam em sangue, nada.

Dom Joaquim sabia que uma circunstância histórica tornava o assunto ainda mais explosivo e suscetível de contagiar multidões. As notícias sobre o milagre se espalhavam com a mesma velocidade -daquelas que davam conta de que, no Rio de Janeiro, um grupo de militares havia acabado de derrubar o imperador dom Pedro ii e proclamado a República. Para cristãos mais exaltados, a confluência entre os dois episódios significava um claro sinal de que o fim dos tempos estava próximo. Os republicanos, que estabeleceriam a separação constitucional entre Igreja e Estado e instituiriam o casamento civil, passaram a ser a própria representação do Anticristo. A Bíblia dizia que quando este chegasse à Terra, o fim do mundo estaria próximo. O alegado milagre no Juazeiro seria então a resposta dos Céus, a advertência celeste de que era chegada a hora do arrependimento final.

Cícero, que durante os longos primeiros quarenta anos de sua vida havia permanecido um sujeito anônimo fora das fronteiras do pequenino Juazeiro, começava a desfrutar de uma notoriedade crescente. Para os que acreditavam no milagre, ele era o santo benfazejo do Cariri. Para dom Joaquim, ao contrário, ele era a ovelha desgarrada, aquela que ameaça pôr a perder todo o resto do rebanho. Ao deixar de responder às duas cartas enviadas pelo palácio episcopal, Cícero caíra em descrédito perante o julgamento de seu superior imediato. Para o bispo, o indesculpável silêncio equivalia a uma confissão de culpa. No entender de dom Joaquim, o único remédio que restava era fazer cumprir a proverbial sentença: "Antes que o mal cresça, corte-se-lhe a cabeça."



2001: Ratzinger reabre o caso

Eram nove horas da manhã. Como fazia todos os dias, o cardeal alemão Joseph Ratzinger, 74 anos, atravessava a pé a praça de São Pedro, no coração da Santa Sé. De batina preta, boina de feltro escuro sobre os cabelos muito brancos, o proeminente teólogo era reconhecido como o mais poderoso interlocutor de Sua Santidade, o papa João Paulo ii. Ratzinger percorreu com passos firmes o caminho e, diante do portão de ferro do Palácio do Santo Ofício, recebeu a habitual continência dos dois soldados da Guarda Suíça. Transposto o pórtico principal, chega-se às dependências da Congregação para a Doutrina da Fé - como desde 1965 passou a ser denominado o Santo Ofício, mais anteriormente conhecido pelo nome original, que fazia tremer a alma dos acusados de heresia: Inquisição Romana. No interior daquelas paredes de pedra, em pleno século xxi, ainda existe um tribunal religioso encarregado de julgar os que professam opiniões divergentes das consideradas oficiais pela Igreja.

Na condição de prefeito da Congregação, o equivalente contemporâneo ao cargo de inquisidor-geral, cabia a Joseph Ratzinger o papel de guardião da ortodoxia católica. Por isso, alguns dos segredos mais caros ao Vaticano eram conduzidos na velha valise de couro negro que ele sempre levava à mão direita.

No escritório, em cima da vasta mesa de trabalho, a pilha de papéis oficiais com o timbre da Santa Sé dividia espaço com um crucifixo de ouro, uma luminária, um porta-lápis e um pequeno calendário. Neste último, via-se a indicação: primavera de 2001. O cardeal, sentado em sua cadeira estofada de espaldar alto, preparou à mão o esboço de uma carta que seria enviada em caráter reservado à Secretaria-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a cnbb. A correspondência dizia respeito a um delicado tema: a pertinência de uma possível reabilitação canônica de um sacerdote brasileiro falecido em 1934, aos 90 anos de idade. Alguém que levou para o túmulo o estigma de ter sido um proscrito da Igreja. Um clérigo julgado e condenado como insubmisso, contra o qual os inquisidores da época pediram a pena de excomunhão. Um reverendo maldito que, a despeito disso, continua a arrebanhar milhões de peregrinos e devotos, incansáveis perpetuadores de sua memória: o padre Cícero Romão Batista.

O diligente Joseph Ratzinger, é claro, tinha notícia dos cerca de 2,5 milhões de fiéis que acorrem todos os anos a Juazeiro do Norte, cidade a 520 quilômetros de Fortaleza, no interior do Ceará. O número de peregrinos que chegam ao local onde viveu padre Cícero impressiona. É como se toda a população de uma metrópole como Roma se deslocasse em massa, anualmente, para reverenciar um sacerdote banido das hostes da Igreja. Em Juazeiro, a multidão compacta paga promessas, acende velas, renova a fé, faz novos pedidos e invoca a proteção de seu guia espiritual.

No topo da serra que avizinha a cidade, foi erguida uma imagem gigantesca do padre Cícero, com 27 metros de altura, uma das dez maiores estátuas cristãs em concreto das Américas. Próximo à capela onde está enterrado o corpo do reverendo, na chamada Casa dos Milagres, o testemunho das centenas de milhares de graças alcançadas arrebatam o olhar de quem chega à porta. São os chamados ex-votos: fotografias e esculturas em madeira, cera ou barro, que reproduzem partes do corpo humano. Pernas, braços, mãos, cabeças. Muitas cabeças. Foram deixados ali por doentes terminais, alguns dos quais juram ter recuperado a saúde, aleijados que afirmam ter voltado a andar, cegos que dizem ter voltado a ver, loucos que asseguram ter recuperado o juízo. Para toda essa gente, padre Cícero é o santo milagreiro, canonizado pela devoção popular, embora proibido de entrar nos altares oficiais.

Difícil encontrar uma casa católica no sertão nordestino na qual não exista uma imagem de padre Cícero. Retratado sempre com o cajado, o chapéu e a batina, ele parece onipresente. Em Juazeiro, mais ainda. Ele está na fachada das lojas, dos supermercados, dos cartórios, das bodegas, dos comitês eleitorais. Estátuas de Cícero em gesso - e em tamanho natural - adornam até mesmo as agências das grandes redes bancárias instaladas na cidade. Ele só não está nas igrejas.

Para o Vaticano, tal veneração tem se tornado ainda mais eloquente diante da constatação de que, a cada ano, o catolicismo perde milhares de adeptos no Brasil. Segundo cálculos da própria cnbb, a sangria de fiéis é considerada alarmante. O país continua a ser "a maior nação católica do mundo". Mas a última década assistiu à queda vertiginosa no percentual de católicos brasileiros, enquanto o contingente de evangélicos se multiplicou em idêntica proporção. Deixar que o culto a padre Cícero permaneça à margem da liturgia significa negar o acolhimento pastoral a toda uma preciosa legião de devotos. Ratzinger sabia disso. Tinha plena ciência da força do mito em torno do chamado Patriarca de Juazeiro.

É óbvio que o prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé não desconhecia também as graves acusações históricas que recaem sobre o homem Cícero Romão Batista. Elas não são poucas. Quando reunidas, constituem notórios obstáculos à idéia de anistiar, post-mortem, as penas que foram impostas ao padre, em vida, pelo Tribunal do Santo Ofício. A primeira incriminação que incide sobre Cícero é a de ter sido um mistificador, um aproveitador das crenças do povo mais simples, um semeador de fanatismos. Homem de idéias religiosas pouco ortodoxas, leitor de autores místicos, dado a ver almas do outro mundo e defensor de milagres não endossados pelo Vaticano, Cícero estaria mais próximo da superstição do que da fé, disseram dele os muitos adversários que colecionou no meio do próprio clero. Decorre daí outra incriminação, ainda mais incisiva: a de que nas vezes em que fora repreendido por seus superiores eclesiásticos agira como um rebelde e caíra em desobediência. Na rígida hierarquia clerical, desobedecer a um superior constitui pecado gravíssimo. Almas indóceis à autoridade de bispos e cardeais não vão para o Céu, assim determina a lei da Igreja.

A relação de Cícero Romão Batista com jagunços e cangaceiros tem sido outro entrave à possível anistia cogitada por Ratzinger. Como absolver das penas do Tribunal do Santo Ofício um padre sobre cujas costas os detratores jogam a responsabilidade pela concessão da patente de capitão ao mais feroz dos bandoleiros nordestinos, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, em troca do compromisso para que o "Rei dos Cangaceiros" enfrentasse, em 1926, a célebre Coluna Prestes em sua passagem pelo sertão? Como indultar um clérigo que mesmo antes disso, em 1914, teria benzido rifles, punhais e bacamartes, aparato bélico entregue à jagunçada para promover uma sedição armada que envolveu saques violentos a várias cidades interioranas, produziu a morte de centenas de inocentes e resultou na derrubada de um governo legal? Como redimir as penalidades de um sacerdote que se transformou em líder político, fez-se o primeiro prefeito de Juazeiro do Norte, elegeu-se deputado federal, tornou-se vice-presidente (cargo então equivalente ao de vice-governador) do Ceará e arquitetou um pacto histórico entre os poderosos coronéis do sertão? Como perdoar um padre que acumulou vasto patrimônio à custa das esmolas e das doações de fiéis? Para os algozes de Cícero, não faltariam argumentos contrários a uma reabilitação canônica.

Entretanto, do mesmo modo, não são poucos os que definem a eterna tempestade de acusações contra Cícero como frutos de inverdades históricas, interpretações distorcidas e preconceitos elitistas que foram se acumulando, ao longo do tempo, em torno de tão controvertida figura. A carta que o cardeal Joseph Ratzinger escreveu naquela manhã de primavera tinha o objetivo de retomar - com a chancela do brasão do Vaticano - uma questão sobre a qual se debatem, por décadas a fio, apologistas e difamadores de Cícero Romão Batista.

Quem foi esse homem misterioso que, mesmo tendo um decreto de excomunhão assinado contra si, arrebatou o coração das massas e passou à memória coletiva e ao panteão popular como o santo Padim Ciço? Era um apóstolo visionário que soube entender a língua do povo, converteu multidões com sua singela pastoral sertaneja, mas ainda assim foi injustiçado por um clero intransigente, etnocêntrico, refratário às diferenças? Ou foi um sujeito astuto que usou a batina em seu próprio benefício, amealhou fortunas em terras, imóveis e gado, alimentando a sede de poder na miséria e na ignorância de seus devotos?

Não parece ter sido coincidência. Poucos meses depois de a carta de -Joseph Ratzinger ter alcançado o devido destino - a sede da Cnbb, em Brasília -, um novo bispo diocesano desembarcou no pequeno terminal de passageiros do Aeroporto Orlando Bezerra de Menezes, em Juazeiro do Norte. O homem nomeado por João Paulo ii para administrar dali por diante a diocese do Crato, à qual está subordinada a forania de Juazeiro, é um italiano sorridente e de fala serena. Quando perguntado se vem com alguma missão específica - e se tal missão tem relação direta com a possível reabilitação de padre Cícero -, ele silencia. Em alguns casos, dependendo do interlocutor, vai além: esboça um de seus enigmáticos sorrisos.

O recém-chegado, dom Fernando Panico, nascido em 1946 na cidade de Tricase, sul da Itália, exibe um currículo exemplar. Além de sobrinho de um cardeal com respeitáveis serviços prestados à Santa Sé - dom Giovanni Panico, ex-núncio em Portugal -, traz na bagagem os diplomas de bacharel em filosofia pela Pontifícia Universidade Gregoriana e em teologia pelo Pontifício Ateneu Santo Anselmo, ambos em Roma. Mestre em teologia litúrgica e doutor em liturgia, Panico está no Brasil desde 1974. Aqui, sempre trabalhou em dioceses nordestinas. Primeiro no Maranhão, onde foi reitor de seminário. Depois no Piauí, como bispo de Oeiras e Floriano. Conhece bem, portanto, o universo e os matizes da religiosidade popular dos sertões. Está familiarizado com as singularidades das manifestações de fé do catolicismo caboclo, que tem em padre Cícero uma de suas maiores referências.

Tão logo tomou pose no comando da diocese, em junho de 2001, dom Fernando Panico demonstrou, sem meias-palavras, claramente ao que vinha. Do alto do púlpito, durante a homilia que fez na primeira missa como novo bispo do Crato, anunciou o propósito de encorajar e apoiar novos estudos críticos sobre a trajetória de Cícero Romão Batista. Em uma carta pastoral aos fiéis, datada de 20 de outubro daquele ano, reafirmou o mesmo propósito: "[Ele] merece nosso carinho, apesar de tudo o que contra ele aconteceu e se tem escrito", observou o bispo a propósito do ambíguo sacerdote. Tais afirmações causaram mal-estar nos membros mais tradicionais do clero do Crato, que têm Cícero na conta de um embusteiro. "Padre Cícero chegou ao Juazeiro missionário, tornou-se visionário e acabou milionário", costumava dizer dom Newton Holanda Gurgel, o antecessor de dom Fernando, que se viu compelido a renunciar ao cargo ao completar 75 anos de idade e com isso, não sem visível incômodo, passar a mitra ao sucessor.

Não há dúvidas de que os ventos da Igreja pretendem soprar em outra direção. O que está em cena não é uma mera questão paroquial, uma nova frente de batalha na eterna rivalidade entre cratenses e juazeirenses. Naquele mesmo mês de outubro, dom Fernando embarcou para Roma, acompanhado dos demais bispos do Ceará e Piauí, por ocasião da visita ad limina ao Vaticano - uma obrigação imposta pela Igreja a seus prelados a cada cinco anos, que devem se ajoelhar diante dos túmulos dos apóstolos são Pedro e são Paulo, além de serem recebidos pelo papa para reportar o estado pastoral de suas dioceses. Dom Fernando aproveitou a viagem à Cidade Eterna e logo obteve uma audiência com o cardeal Joseph Ratzinger, no Palácio do Santo Ofício. Na pauta do encontro com o prestigioso prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o assunto foi um só: padre Cícero.

Ratzinger não só estimulou dom Fernando a levar adiante os novos estudos sobre Cícero como deu instruções detalhadas a respeito da forma de conduzir o processo, de acordo com os rituais e procedimentos da Congregação. Como conselho adicional, Ratzinger sugeriu que as concorridas romarias a Juazeiro do Norte deviam ser incentivadas e acolhidas, ao contrário do que fazia o bispo anterior, dom Newton. A recomendação do cardeal foi obedecida à risca. Algum tempo depois da volta ao Brasil, dom Fernando fez publicar uma segunda carta pastoral aos fiéis, sintomaticamente intitulada "Romarias e Reconciliação". O sinal de distensão entre a Igreja e os romeiros, principal herança deixada pelo sacerdote proscrito, ficou evidente: "Mais do que nunca é necessário reconhecer as romarias de Juazeiro do Norte como uma profunda experiência de Deus e legítima experiência de fé", dizia a carta do bispo aos diocesanos.

Para seguir os desígnios ditados por Roma, dom Fernando organizou uma comissão multidisciplinar de estudos, a quem coube mergulhar nos arquivos oficiais da diocese, mas também em acervos particulares e de instituições públicas, para tentar legitimar a possível reabilitação de Cícero Romão Batista. Pelos trâmites do Vaticano, reabilitar o padre significaria o primeiro passo a caminho de uma presumível canonização. Após ele ser devidamente perdoado pela Congregação da Doutrina da Fé, o segundo passo seria a abertura do processo de beatificação, depois do qual Cícero passaria a ser declarado um "bem-aventurado", o degrau imediatamente inferior ao seu reconhecimento como santo, quando enfim poderia ser elevado à honra dos altares.

A comissão organizada por dom Fernando, obedecendo às diretrizes de Ratzinger, foi composta por especialistas, mestres e doutores em diversas áreas do conhecimento: antropologia, filosofia, história, psicologia, sociologia e teologia. Para evitar pressões oriundas do clero do Crato, os membros passaram a se reunir em São Paulo, onde recebem a visita de dom Paulo Evaristo Arns, o cardeal arcebispo-emérito da diocese paulista, que já revelou simpatia pela reabilitação canônica do padre Cícero. Durante cerca de cinco anos, a comissão de notáveis trabalhou estrategicamente em silêncio, reunindo informações, acessando papéis até então intocáveis, trazendo à luz novos elementos para um julgamento póstumo de Cícero Romão Batista.

Às 21h37 de um sábado, 2 de abril de 2005, o papa João Paulo ii exalou o último suspiro. Dezessete dias depois, o conclave de cardeais reunido no Vaticano autorizou que a fumaça branca fosse lançada pela chaminé da Basílica de São Pedro. Habemus Papam, logo entenderam os milhões de católicos espalhados pelo planeta, que testemunharam tudo pela televisão. O cardeal Ratzinger é eleito o 265º sucessor de Pedro e coroado como Bento xvi. O homem que iniciou o processo de reabilitação do padre Cícero é agora o chefe supremo da Igreja Católica Apostólica Romana.

Em 30 de maio de 2006, pouco mais de um ano após Bento xvi iniciar seu pontificado, uma comitiva brasileira liderada pelo bispo do Crato, dom Fernando Panico, chegou ao Vaticano. Levava consigo onze grossos volumes encadernados em capas vermelhas e identificados com letras gravadas em dourado. São cópias de documentos religiosos e seculares, incluindo a vasta correspondência trocada entre os protagonistas da história tumultuosa de Cícero. Também estão ali os relatórios e os pareceres da comissão de especialistas encarregada dos novos estudos em torno do caso. Um volume à parte traz cerca de 150 mil assinaturas em prol da reabilitação, às quais se soma um abaixo-assinado no qual se lê o nome de nada menos que 253 bispos brasileiros favoráveis à causa.

Uma carta de dom Fernando ao papa completa a papelada. "Venho com toda esperança e humildade suplicar a Vossa Santidade que se digne reabilitar canonicamente o padre Cícero Romão Batista, libertando-o de qualquer sombra e resquício das acusações por ele sofridas", escreveu o bispo. "Posso testemunhar, Santidade, que as nossas romarias são um baluarte da fé dos pobres, filhos queridos da Igreja Católica, cuja devoção contém e freia, por assim dizer, o avanço das seitas evangélicas na nossa região", explicita. Na carta, dom Fernando recordou que o mesmo Bento xvi, então cardeal, é quem lhe sugerira reabrir os estudos históricos sobre Cícero. "A comissão de estudiosos, ao realizar as novas pesquisas, manteve-se numa discrição objetiva das fontes. À Congregação para a Doutrina da Fé compete a análise de nosso trabalho. E a Vossa Santidade a palavra conclusiva."

Nas prateleiras empoeiradas do antigo Tribunal do Santo Ofício, por determinação de Bento xvi, os documentos secretos que resultaram na expulsão de Cícero das fileiras da Igreja começam a acordar de um sono de quase 100 anos

(© Revista Piauí)

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Tiradentes foi enforcado por lutar pela Independência do Brasil


O dia 21 de abril é feriado nacional. Trata-se de uma homenagem que o Brasil presta ao sacrifício de Joaquim José da Silva Xavier, que foi enforcado e esquartejado, a 21 de abril de 1792, devido a seu envolvimento com a Inconfidência Mineira - um dos primeiros movimentos organizados pelos habitantes do território brasileiro, no sentido de conseguir a independência do país em relação a Portugal.

Vale a pena saber exatamente porque se presta essa homenagem a Tiradentes. No século 18, o Brasil era uma colônia portuguesa que gerava grandes lucros para sua metrópole, em função do ouro e dos diamantes que haviam sido descobertos na região que ficou conhecida como a das Minas Gerais. Essa região tornou-se o centro econômico e cultural do país. Nela surgiram várias cidades ricas e importantes, como Vila Rica (atual Outo Preto), São João Del Rei e Sabará.

Portugal explorava o ouro brasileiro, mas nem todas as pessoas ligadas ao garimpo pagavam os impostos que a metrópole cobrava. Também havia muito contrabando das riquezas minerais. Além disso, essas riquezas não eram infinitas e começaram a se tornar escassas. O governo português, porém, acreditava que a diminuição no volume de seus lucros com a mineração se devia ao contrabando e à sonegação dos brasileiros. Por isso, começou a aumentar os impostos e tomar medidas repressivas contra os naturais da terra.

Desse modo, os brasileiros se revoltaram e isso aconteceu quase na mesma época em que os Estados Unidos se tornaram independentes da Inglaterra. Ao mesmo tempo, na Europa, filósofos e pensadores criticavam a monarquia e o poder absoluto dos reis. Tudo isso influenciou as elites de Minas Gerais e as levou a conspirar em prol da Independência. A maioria dos conspiradores eram homens ricos e cultos como Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga.

Pobre, somente o Tiradentes, que era um simples alferes (cargo militar semelhante ao de tenente), e que tinha esse apelido por exercer também o ofício de dentista. Entretanto, era ele quem saía às ruas, procurando conquistar a adesão do povo ao movimento. Resultado, durante o julgamento, todos os que tinham posses conseguiram escapar da pena máxima, trocando-a pela prisão ou pelo exílio.

Quanto a Tiradentes, acabou condenado à morte e ao esquartejamento, para que as partes de seu corpo ficassem expostas ao público, de modo a desencorajar outras tentativas de rebelião. Executado como um criminoso, Tiradentes se transformou no primeiro herói brasileiro, logo após a nossa Independência, em 1822.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Arlindo dos 8 Baixos abre o quintal para os forrozeiros

No final da década de 80 e comecinho dos anos 90, havia um quintal especialmente movimentado em Dois Unidos. Era o quintal da casa do sanfoneiro Arlindo dos Oito Baixos, um forrozeiro amigo de vários outros forrozeiros, alguns deles bem conhecidos, como Domiguinhos, e freqüentadores de suas ‘festinhas’. Na época, o espaço tornou-se pequeno para tanta gente e Arlindo desistiu da idéia do forró de final de semana. Mas nada como o tempo e uma reforma na casa para voltar a movimentar este ‘quintal’. Agora, o forrozeiro é anfitrião de uma festa de verdade, com direito a bilheteria, bar, mesas e um mini salão bem diferente do ‘massapê’ de antes. Todo final de semana, a casa já está com shows programados aos próximos domingos. O ritmo não pode ser outro senão o mais autêntico forró pé-de-serra. O destaque do próximo domingo é o sanfoneiro Camarão. Neste domingo Arlindo dos oito Baixos completou 50 anos de trabalho foi uma festa belíssima com a presença de Cristina Amaral, Almir Roche, Cobra Cordelista, Ronaldo Aboiador, Eddy Carlos, Genival Lacerda e outros. Um dos grupos que frequenta a casa e desfila a sua arte é dos Meninos dos Lampiões e Maria Bonita, grupo de cinco rapazes e uma moça que relembra o forró de antigamente, como eles mesmos definem. O grupo é formado por Raminho (zabumba), Diego Reis (sanfona e voz), Toni Dias (contrabaixo), Ana Paula (percussão), Joca (percussão) e Luciano Magno (guitarra).

Av. Hidelbrando Vasconcelos, 2900, Dois Unidos (depois do terminal de Dois Unidos). Domingo, a partir das 15h. os ingressos custam R$ 10,00


Vídeo com Arlindo dos Oito baixos:



sexta-feira, 16 de abril de 2010

Mito do Saci Pererê


Quem é o saci

O Saci-Pererê é um dos personagens mais conhecidos do folclore brasileiro. Possuí até um dia em sua homenagem: 31 de outubro. Provavelmente, surgiu entre povos indígenas da região Sul do Brasil, ainda durante o período colonial (possivelmente no final do século XVIII). Nesta época, era representado por um menino indígena de cor morena e com um rabo, que vivia aprontando travessuras na floresta.

Porém, ao migrar para o norte do país, o mito e o personagem sofreram modificações ao receberem influências da cultura africana. O Saci transformou-se num jovem negro com apenas uma perna, pois, de acordo com o mito, havia perdido a outra numa luta de capoeira. Passou a ser representado usando um gorro vermelho e um cachimbo, típico da cultura africana. Até os dias atuais ele é representado desta forma.

O comportamento é a marca registrada deste personagem folclórico. Muito divertido e brincalhão, o saci passa todo tempo aprontando travessuras na matas e nas casas. Assusta viajantes, esconde objetos domésticos, emite ruídos, assusta cavalos e bois no pasto etc. Apesar das brincadeiras, não pratica atitudes com o objetivo de prejudicar alguém ou fazer o mal.

Diz o mito que ele se desloca dentro de redemoinhos de vento, e para captura-lo é necessário jogar uma peneira sobre ele. Após o feito, deve-se tirar o gorro e prender o saci dentro de uma garrafa. Somente desta forma ele irá obedecer seu “proprietário”.

Mas, de acordo com o mito, o saci não é voltado apenas para brincadeiras. Ele é um importante conhecedor das ervas da floresta, da fabricação de chás e medicamentos feitos com plantas. Ele controla e guarda os segredos e todos estes conhecimentos. Aqueles que penetram nas florestas em busca destas ervas, devem, de acordo com a mitologia, pedir sua autorização. Caso contrário, se transformará em mais uma vítima de suas travessuras.

A crença neste personagem ainda é muito forte na região interior do Brasil. Em volta das fogueiras, os mais velhos contam suas experiências com o saci aos mais novos. Através da cultura oral, o mito vai se perpetuando. Porém, o personagem chegou aos grandes centros urbanos através da literatura, da televisão e das histórias em quadrinhos.

Quem primeiro retratou o personagem, de forma brilhante na literatura infantil, foi o escritor Monteiro Lobato. Nas histórias do Sítio do Pica-Pau Amarelo, o saci aparece constantemente. Ele vive aprontando com os personagens do sítio. A lenda se espalhou por todo o Brasil quando as histórias de Monteiro Lobato ganharam as telas da televisão, transformando-se em seriado, transmitido nas décadas de 1970-80. O saci também aparece em várias momentos das histórias em quadrinhos do personagem Chico Bento, de Maurício de Souza.

Dia do Saci

Com o objetivo de diminuir a importância da comemoração do Halloween no Brasil, foi criado em caráter nacional, em 2005, o Dia do Saci ( 31 de outubro). Uma forma de valorizar mais o folclore nacional, diminuíndo a influência do cultura norte-americana em nosso país.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A MULA-SEM-CABEÇA




A Mula-sem-cabeça é uma antiga lenda dos povos da Península Ibérica, que foi trazida para a América pelos espanhóis e portugueses. Esta história também faz parte do folclore mexicano (conhecida como "Malora") e argentino (com o nome de Mula Anima). Pressupõem-se que este mito tenha nascido no século doze, época em que as mulas serviam de transporte para os padres.

No Brasil, a lenda disseminou-se por toda a região canavieira do Nordeste e em todo o interior do Sudeste. A Mula-sem-cabeça, representa uma espécie de lobisomem feminino, que assombra povoados onde existam casas rodeando uma igreja.

Segundo esta lenda, toda a mulher que mantivesse estreitas ligações amorosas com um padre, em castigo ao seu pecado (aos costumes e princípios da Igreja Católica), tornar-se-ia uma Mula-sem-cabeça. Esta história tem cunho moral religioso, ou seja, é uma repreensão sutil ao envolvimento amoroso com sacerdotes e também com compadres. Os compadres, eram tidos como pessoas da família, e qualquer tipo de relação mantida entre eles, era considerada incestuosa.

A metamorfose ocorreria na noite de quinta para sexta-feira, quando a mulher, em corpo de mula-sem-cabeça, corre veloz e desenfreadamente até o terceiro cantar do galo, quando, encontrando-se exaurida e, algumas vezes ferida, retorna a sua normalidade. Homens ou animais que ficarem em seu trajeto seriam despedaçados pelas violentas patas. Ao visualizar a Mula-sem-cabeça, deve-se deitar de bruços no chão e esconde-se "unhas e dentes" para não ser atacado.

Dizem também, que se alguém passar correndo diante de uma cruz à meia-noite, ela aparece.

A mula-sem-cabeça também é conhecida como a burrinha-do-padre, ou simplesmente burrinha.

A Mula-sem-cabeça, possuiria as seguintes características:

1. Apresenta a cor marrom ou preta.
2. Desprovida de cabeça e em seu lugar apenas fogo.
3. Seus cascos ou ferraduras podem ser de aço ou prata.
4. Seu relincho é muito alto que pode ser ouvido por muitos metros, e é comum a ouvir soluçar como um ser humano.
5. Ela costuma aparecer na madrugada de quinta/sexta, principalmente se for noite de Lua Cheia.
6. Segundo relatos,felizmente existem maneiras de acabar com o encantamento que fez a mulher virar Mula-Sem-Cabeça, uma delas consiste em uma pessoa arrancar o cabresto que ela possui, outra forma é furá-la, com algum objeto pontiagudo tirando sangue (como um alfinete virgem). Outra maneira de evitar o encantamento é de que o amante (padre) a amaldiçoe sete vezes antes de celebrar a missa.

Para se descobrir se a mulher é amante do padre, lança-se ao fogo um ovo enrolado em linha com o nome dela e reza-se por três vezes a seguinte oração:



"A mulher do padre

Não ouve missa

Nem atrás dela.

Há quem fique ...

Como isso é verdade,

assa o ovo

e a linha fica..."

SIMBOLISMO

A Mula-sem-cabeça é oriunda do lado sombrio do inconsciente coletivo, seria talvez, o próprio arquetípico das criaturas que povoam as florestas, representando as camadas profundas do inconsciente e do instinto. Assim como o lobo, a mula-sem-cabeça aqui, nos induz ao desencadeamento dos instintos selvagens. Sob a influência do moralismo judaico-cristão, esta tendência se ampliou e levou ao horror da caça às bruxas e da Inquisição. Os relatórios dos "processos" de feitiçaria contêm obras-primas de animalidade mais crassa.

O animal representado nesta lenda, nos faz alusão então, uma valorização negativa, o conjunto de forças profundas que animam o ser humano e, em primeiro lugar, o libido (tomado em sua significação sexual), que desde a Idade Média se identifica principalmente com o cavalo, ou em nosso caso, com a mula.

O animal já aparece não portando a cabeça, tal fenômeno, pode ser entendido em sentido metafórico como ausência de razão e da própria consciência, predomínio, portanto, das paixões, dos impulsos sexuais de imediato atendidos, do domínio do inconsciente pessoal e coletivo.

A Mula-sem-cabeça é uma mulher amaldiçoada, pecaminosa, que teve o atrevimento de desejar o santo padre, representante de Deus e Cristo na terra. Este relato nos faz repensar no quanto os homens da Igreja, daquela época (Idade Média) tinham medo do poder feminino de sedução. Tais medos, os levaram a atitudes de desespero, que os fizeram a abster-se de qualquer contato com o sexo oposto, além de fantasiarem e criarem assombrações para incutir maior receio.

O que fica de lição desta lenda é que todos nós devemos nos integrar com nossos instintos. "O animal, que no homem é sua psique instintual, pode tornar-se perigoso quando não é conhecido e integrado à vida do indivíduo. A aceitação da alma animal é a condição para a unificação do indivíduo e para a plenitude de seu desabrochar."

Cada animal, simbolicamente faz eco à natureza profunda do ser humano.

Texto pesquisado e desenvolvido por: Rosane Volpatto

quarta-feira, 14 de abril de 2010

O Diabo na Cultura Popular




O Diabo na Cultura Popular
publicado na Revista Ele Ela nº 75 de julho de 1975

As índias estavam nuas. E os portugueses chegavam cheios de apetite sexual. O Diabo estava feliz, com a faca e o queijo na mão. Depois, foi só cortar. E comer.

0 Deus e o Diabo dos brancos chegaram ao Nordeste nas caravelas de Pedro Álvares Cabral. Enquanto Frei Henrique de Coimbra plantava a cruz da Fé celebrando a primeira misse, que também foi assistida pelos indígenas, o Diabo fazia das suas, desviando a atenção dos membros da expedição portuguesa para a nudez acobreada das mulheres nativas.

Há mais de 6 meses em alto-mar, os marinheiros de Cabral desembarcaram sob o domínio de forte apetite sexual. E "o europeu saltava em terra escorregando em índia nua. As mulheres oram as primeiras a se entregar aos brancos, as mais ardentes Indo esfregar-se nas pernas desses que supunham deuses. Davam-se ao europeu por um pente ou um caco de espelho", escreve o sociólogo a antropólogo Gilberto Freyre. Estava o Diabo com a faca e o queijo, com a fome e a vontade de comer, tentando os homens, ajudado pela ausência de mulheres brancas.

Naquele tempo, o Diabo estava no apogeu de sua fama, respeitado e temido no mundo Inteiro, personagem central de tudo quanto ara lenda, estórias e crendices armazenadas desde o começo do mundo. Os tripulantes das caravelas trouxeram para cá estas crenças. Povo muito aventureiro, o português gostava de procurar novas terras, negociar com outros continentes, enriquecendo assim sua herança mística, fortalecendo o que já tinha de mítico no seu mundo Interior onde se uniam o real e o Imaginário. Cada um respeitava o temia o Diabo conforme o uso de sua província. No entanto, era generalizada a crença de que se alguém pronunciasse o nome do Diabo, ele poderia aparecer. Para que Isso não acontecesse, os portugueses inventaram apelidos para o Diabo, que eram uma maneira de enganá-lo.

A fim de evitar que os homens pecassem tanto, quando a luxúria dominou as primeiras décadas da colonização, os missionários usavam, na catequese, o Diabo como arma poderosa. Pintavam seu retrato com cores fortíssimas, para que o impacto fosse ainda maior. Assim, o Diabo era preto, usava chifres, tinha o nariz adunco por onde expelia fogo e fumaça, os pés eram de pato, a cauda terminava em forma de seta, parecia um morcego, sua presença era sentida por causa do cheiro de enxofre que exalava e só andava com um espeto na mão. As vezes, para melhor tentar os homens, disfarçava-se em animais, tomando a forma de um cachorro, de um porco, um bode, um gato ou outros bichos.

E, foi, assim que o Diabo chegou ao Nordeste. Com muitos apelidos. Com muita fama. Respeitado e temido. Enchendo a cabeça dos portugueses de luxúria. Enriquecendo a cultura popular da região.

Se os homens costumam falar no Diabo a troco de nada, já com as mulheres acontece justamente o contrário. Dóceis pela própria natureza, levando a vida quase sempre dentro de casa ou ajudando no roçado da família, carregando água da cacimba, amarrando as cabras, trazendo lenha, pensando mais nas coisas da Igreja, as mulheres vivem com a boca cheia de Deus e do Céu. A verdade é que as mulheres, na sua maioria, não gostam de falar no Diabo porque têm medo dele. E, quando falam, sempre procuram os apelativos mais inocentes e menos diabólicos como "Capeta", "Capiroto", "Fute" e tantos outros. Os homens acham que não fica bem viver sempre falando no nome de Deus e dos santos, por machismo, ou por não se prestarem aos seus freqüentes desabafos.

E porque Deus e o Diabo participam tanto da linguagem nordestina? Sua secular estrutura religiosa constitui um dos fatores mais importantes dessa participação. Talvez a adversidade da natureza quase sempre madrasta e incerta, o trabalho duro do campo, a injustiça social, o abandono em que vive ainda o nordestino, também sejam responsáveis por essa angústia, por esse desespero. Nos momentos de admiração e de surpresa, de tristeza ou de alegria, é muito comum o uso da parte das mulheres, principalmente, de expressões como "Minha Nossa Senhora!", "Nossa Mãe do Céu!", "Santo Deus!", "Se Deus quiser!", "Deus é quem sabe...", "Graças a Deus!" Mas o Diabo e o inferno são muito mais freqüentes no diálogo do nordestino "homem", talvez porque aconteçam mais coisas ruins do que boas em sua vida. E, para desabafar, nada como um "Com todos os diabos"' já que o Diabo é sinônimo de tudo o que é ruim. Em matéria de Diabo, a coisa só muda de figura quando se fala em "diabo-de-saia" ou "diabinho", com significações de bem-querer.

Diabo sempre foi uma palavra um tanto ou quanto misteriosa, diabólica mesmo. 0 jeito que houve foi inventar outras palavras para que o nome do Demônio, do Satanás, do Diabo, não fosse pronunciado. Começaram abreviando o nome: "Diá", "Demo", "Satã". Depois criaram corruptelas da palavra: "Diacho", "Diangas", "Dianho".

Vejamos alguns apelativos do Diabo, correntes no Nordeste: "Afuleimado", "Amaldiçoado'', "Arrenegado", "Barzabu", "Bicho-Preto", "Bruxo", "Cafuçu", "Canheta", "Capa Verde", "Diogo", "Diale", "Dedo", "Ele", "Esmolambado", "Excomungado, "Feio", "Feiticeiro", "Ferrabrás", "Futrico", "Gato-Preto", "Imundo", "Inimigo", "Lúcifer", "Mequetrefe", "Mal-Encaracio", "Mofento", "Não-Sei-Que-Diga", "Negrão", "Nojento", "Pé-deCabra", "Pé-de-Pato", "Peitica", "Rabudo", "Rapaz", "Sapucaio", "Sarnento", "Tição", "Tisnado", "Tinhoso".

Com relação ao Diabo, as locuções populares funcionam, às vezes, como uma faca de dois gumes, dicotomicamente, elogiando ou ferindo, perguntando ou respondendo, afirmando ou negando, dependendo apenas da entonação da voz ou de simples modificação que se fizer na construção da frase. "Eita, Diabo!" - por exemplo, é uma locução que se presta a diversas maneiras de dizê-la. "Eita, Diabo! Que mulher horrível!", nega a beleza de uma mulher; "Eita, Diabo! Vá ser boa assim no inferno!" - já é um elogio.

Aqui estão algumas das inúmeras locuções populares envolvendo o Diabo: "acender uma vela a Deus e outra ao Diabo"; "agüentar o que o cão enjeitou no inferno"; "artes do diabo"; 11 com o cão no couro"; "com o' Diabo nos chifres"; "catinga de cão"; "dar um quarto ao Diabo"; "deu o bute"; "Deus fez e o Diabo juntou"; "Diabos te carreguem para as profundezas do inferno"; "do jeito que o Diabo gosta"; "é o cão"; "enquanto o Diabo esfrega um olho"; "escritinho o cão"; "fuzuê dos diabos"; "homem do Diabo"; "Inferno de pedra"-, Mulher do Diabo"; "vá pros quintos dos infernos"; ) "viva Deus e morra o Diabo".

Entre a população rural, principalmente, o Diabo é muito temido pelo mal que faz. Se não choveu, se a vaca morreu mordida de cobra, se alguém caiu do cavalo e quebrou a perna, quem leva a culpa é o Diabo. Os poetas populares, nascidos e criados nos brejos, nas caatingas, nos pés de serra, retratam, em seus folhetos, toda a atmosfera religiosa que envolve o nosso homem da zona rural, onde a figura do Diabo é muito popular.

Nas feiras das cidades, vilas e povoados, o povo gosta de ouvir o vendedor de folhetos debaixo de seu guarda-sol, transpirando pelos cotovelos, contar histórias onde o Diabo aparece, pinta o sete e, na maioria das vezes, é logrado, como no folheto de José Costa Leite que conta a estória de "A Mulher que Enganou o Diabo": No Estado da Bahia, morava um camponês chamado Otaviano Aragão, casado com Isabel Maria da Conceição e que viviam da caça e da pesca. Um dia, quando Otaviano estava pescando, avistou uma garrafa boiando, vazia, mas muito bem arrolhada: "Ele avistou na garrafa/ uma fumaça azulada/ mas como a garrafa estava/ completamente tampada/ ele levou para casa/ sem desconfiar de nada." Quando chegou em casa, Otaviano botou a garrafa em cima de uma mesa e foi cuidar da vida. A mulher, arrumando a casa, encontrou a garrafa e, curiosa, passou a examiná-la. A garrafa estava cheia de uma fumaça azulada e dela saía uma voz pedindo para a mulher tirar a rolha. Quando Isabel destampou a garrafa, saiu de dentro dela um negro bem alto, bem feio, de uma perna só, que era o Diabo em figura de gente. A mulher ficou apavorada, mas urdiu um plano e falou para o Diabo: - "Onde você estava?/ a mulher lhe perguntou."/ Disse o negro: "Na garrafa/ e quando você destampou/ eu saí de dentro dela/ porém você não notou."/ A mulher disse: -"Eu não creio!/ de você tenho até pena/ pois você é muito grande/ e a garrafa é pequena/ e você não cabe dentro/ e digo, ninguém me condena./ 0 negro disse: - Eu juro/ como estava dentro dela/ há mais de 200 anos/ que a minha morada é ela."/ a mulher disse: - "Eu só creio/ quando você entrar nela./ E se você não entrar/ não venha enganar a mim/ se você estivesse dentro/ já tinha levado fim/ como é que você entra?"/ 0 negro disse: - "E assim."/ E para provar a ela/ o negro se transformou/ numa nuvem de fumaça/ e na garrafa entrou/ a mulher botou a tampa/ bateu a mão e tampou." E depois o marido chegou e começou a conversar com o Diabo, que lhe contou o acontecido, choroso e triste. A mulher tornou a abrir a garrafa com a condição de fazer uma aposta para ver quem nadava mais. Mas, no dia da aposta, a mulher bolou outro plano. Levou um vestido de couro e outro igual, embrulhado. Na hora, botou um dos vestidos no outro lado da lagoa,, numa touceira de bananeira sem que o Diabo visse, e tirou o vestido que usava e tibungou dentro d'água: "Na vista do Diabo a mulher/ o seu vestido tirou/ e mergulhou na lagoa/ o diabo também mergulhou/ a mulher saiu e vestiu/ o outro vestido e voltou./ 0 Diabo mergulhou tanto/ que só faltou se acabar/ depois levantou a cabeça/ para não se afogar/ e viu o vestido dela/ ainda no mesmo lugar./ ele tornou a mergulhar/ e demorou outro tanto/ ao levantar a cabeça/ sentiu o maior espanto/ o vestido da mulher/ estava no mesmo canto."

Nas estórias que o povo gosta de contar nos momentos de lazer, o Diabo é uma constante. Vejamos esta: "A mulher, o menino e o Diabo": "0 Diabo ia andando de estrada afora quando avistou, de longe, um magote de meninos, cada um com sua "Baladeira". Mais do que depressa, o Diabo, querendo bancar o sabido, subiu num pé de caju e se transformou num cupim. Os meninos se aproximaram do cajueiro e um deles falou: - Já que não encontramos passarinhos, vamos ver quem acerta no cupim? Os meninos não tiveram dúvida. Descobriram o cupim do cajueiro e tome pedra. 0 Diabo, danado da vida, pulou de raiva e disse: - Ah! Já vi que de menino e de mulher nem o Diabo se livra. E saiu correndo mundo afora."

Tratando-se de uma figura muito popular no Nordeste, o Diabo não está apenas na linguagem popular, na literatura de cordel, nas estórias que o povo gosta de contar no seu lazer noturno (quem conta estória de dia cria "catoco") nos alpendres das fazendas, nas bodegas das beiras de estrada ou nas praças públicas, na literatura regional. Na Adivinhação, o FUTE é a resposta para perguntas como essas: "0 que é, o que é? É alto e baixo, gordo e magro, bonito e feio, preto e branco?" Ou, também: "Tenho chifres, rabo e tenho dentes; sou um cara quente. Quem sou, eu?"

Nos folguedos populares que se perpetuam através da oralidade como manifestação dramática, o "capiroto" não podia deixar de ter sua participação, sob pena de dar motivo à separação do popular e da popularidade. Segundo Hermilo Borba Filho, "no bumba-meu-boi", a certa altura do folguedo o "Morto-carregando-o-vivo" pede ao padre que dê um jeito para tirar o outro de suas costas; os dois discutem, o padre se zanga, começa a dizer nomes feios, entra o Diabo-Padre: - Seu Capitão, eu não sou mais padre, não sou mais nada, sou o Diabo do Inferno!

0 Diabo, de roupa vermelha, as asas pretas, de rabo, botando fogo pela boca, carrega o "Morto-carregando-o-vivo'", o Padre e o Sacristão para as profundas dos infernos."

Henry Koster, em 1814, assistiu e registrou, em seu livro de viagens, a um fandango em Itamaracá, Pernambuco: "A cena representa um navio no mar, que a princípio é impelido por ventos favoráveis, mas que para o fim da viagem vê-se em apuros. A causa do mau tempo custa a ser conhecida, mas, por fim, a tripulação descobre que o Diabo está no navio, sob a figura do gajeiro da mezeria. Os personagens representados são: o capitão, o piloto, o mestre de equipagem, o contramestre, o capelão, o ração e o vassoura, servindo estes dois últimos de palhaço, e finalmente, o gajeiro da gata, ou o Diabo, que toma parte em vários quadros do folguedo."

No mamulengo baiano, o Diabo tem o nome de "Compra-barulho". 0 "Diabo" e a "Morte", afirma Hermilo Borba Filho, são "duas figuras indispensáveis em quase todas as pecinhas de mamulengueiros".

0 pastoril é outro folguedo popular ainda hoje representado em muitas cidades do Nordeste durante o mês de dezembro. Escreve Hermilo: "0 auto conta a história das pastoras a caminho de Belém, onde nasceu Jesus, Lusbel (0 Diabo) lança mão de mil artimanhas para desviá-las do caminho e só não consegue seu intento por causa da intervenção de São Gabriel. Vendo frustrado o seu intento, Satanás convence Herodes a promover a degola dos inocentes, mas o tetrarca é castigado porque os soldados matam seu filho. Herodes se arrepende e é salvo, enquanto o Demônio e mais uma vez derrotado."

Nos provérbios, que são a sabedoria e a filosofia do povo, o Diabo também não perdeu a vez de mostrar seu espírito maligno, sempre procurando uma maneira de interferir na vida das pessoas. Vamos encontrar muitos provérbios nos quais o Diabo atua como força do Mal: "A cruz nos peitos e o Diabo nos feitos/ 0 homem é o fogo e a mulher é a pólvora (ou a palha), vem o Diabo e sopra/ Quando o Diabo reza é porque ele quer enganar/ Quando Deus dá a farinha, o Diabo rasga o saco/ Com mulher de bigode, nem o Diabo pode/ Cada um na sua casa e o Diabo não tem o que fazer/ A tristeza é o aboio de clamar o Diabo/ Mente vazia é a oficina do Diabo/ Quando um homem dança com uma mulher, o Diabo está no meio/ Muitos diabos-te-levam botam uma alma no inferno/ Gente pobre é com quem o Diabo faz a feira/ 0 cão matou a mãe com uma espingarda sem cano, descarregada/ Mula estrela, mulher faceira e boi de arroeira, o Diabo que queira/ No cruzado do sovina, o Diabo tem pataca e meia/ A quem Deus não dá filhos, o Diabo dá sobrinhos/ Quem Diabos compra, diabos vende/ Pra se ver o Diabo não é preciso sair de casa/ De quem o Diabo leva os dentes, Deus alarga a goela/ 0 homem é um canalha que traz a vara do Diabo entre as pernas/ Pra encontrar o Diabo não é preciso fazer madrugada/ Quem faia no Diabo olha para a porta/ Tão bom é o Diabo como a mãe do Diabo/ 0 Diabo atenta e o ferro entra/ 0 Diabo não faz graça para ninguém rir/ 0 Diabo quando tem fome come moscas/ 0 Diabo tem duas capas/ A gente trabalha pra Deus, pra si e para o Diabo/ A quem o Diabo torna uma vez, sempre fica o feito/ Quando o gosto é do defunto, o Diabo carrega o enterro/ Depois que o Diabo come chegam as colheres/ 0 Diabo ajuda a família toda/ 0 Diabo tanto buliu com a venta da mãe que a venta ficou torta/ Quem é burro pede a Deus que o mate e ao Diabo que o carregue/ Bom com Deus, bem com o Diabo."

terça-feira, 13 de abril de 2010

Poeta e cantador Paulo Matricó



O Poeta e cantador Paulo Matricó traz no coração e na bagagem a história do Sertão. Nascido no Vale do Rio Pajeú, no município de Tabira, Pernambuco, bebeu na fonte da poesia sertaneja. Herdou do pai, '”seu” Albino Pereira e de outros menestréis da cantoria como Louro do Pajeú, Zé Catota, Pinto de Monteiro e Jó Patriota, a arte de contar histórias simples com o apuro de métrica e a graciosidade do repente popular.

O cantor integra uma leva de artistas cujo tema principal é a cultura local e que pretende mostrar, para o Brasil e para o mundo, o lado belo e encantador do sertão nordestino. Dentre eles estão Elomar, Xangai, Vital Farias, Anchieta Dalí, Maciel Melo e outros.

Música regional popular brasileira, é assim que Matricó auto-denomina seu trabalho, uma mistura de ritmos puramente nordestinos. A canção Voz da Terra, que foi uma das finalistas do festival de música "Candango Cantador", realizado em Brasília, retrata bem tudo isso.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Chorinho de Landinho



Canudos Velho é um povoado situado no sertão da Bahia e que concentra vários músicos populares. Neste vídeo, vemos Seu Henrique, morador mais velho do local com 90 anos de idade, receber na sua simples casa de taipa o conjunto tradicional Landinho Pé de Bode para um ensaio.

Ficha Técnica
Direção, Produção e Roteiro: Marcelo Rabelo 
Fotografia: Valnei Nunes
Edição: Íris de Oliveira
Trilha Sonora Original: Landinho Pé de Bode

sábado, 10 de abril de 2010

Colônia Suassuna


Primeira tentativa de colonização e reforma agrária em Pernambuco, criada em 1889, em Jaboatão, pelo governo da União, a pedido do Barão de Lucena, para estabelecer um grupo de agricultores emigrantes. A área tinha 2.200 hectares (onde funcionaram cinco engenhos de açúcar) e foi dividida em 145 lotes de 12 a 22 hectares cada um.

A Colônia era dividida em três áreas: na primeira, foram construídas 90 casas, a maioria de tijolo e algumas de taipa; na segunda, havia 18 casas; na terceira área (que ligava as outras duas), foram construídas estradas carroçáveis, duas pontes sobre o Rio Jaboatão, pontilhões e bueiros. Os agricultores cultivavam cana-de-açúcar, milho, feijão, mandioca, arroz e, em 1893, iniciaram as plantações de café e cacau.

A experiência estava dando certo mas, em janeiro de 1894, a União vendeu a sede da Colônia para instalação da usina SA Progresso Colonial que ficaria obrigada a comprar a cana produzida pelos colonos.

Em seguida, a 15/01/1894, a União passou a administração dos assentamentos ao governo do Estado. Alegando não dispor de dinheiro para sua manutenção, a 15/03/1895 o governo estadual extinguiu a Colônia e vendeu todos os lotes. Os colonos eram, em sua maioria, brasileiros e 150 estrangeiros.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

IMACULADA CONCEIÇÃO


Nossa Senhora da Imaculada Conceição, a Rainha de Todos os Santos. Esta verdade reconhecida pela Igreja de Cristo, é muito antiga. Muitos Padres e Doutores da Igreja oriental ao exaltar a grandeza de Maria, Mãe de Deus, tinham usado de expressões como: cheia de graças, lírio da inocência, mais pura que os anjos.

A Igreja ocidental que sempre muito amou a Santíssima Virgem tinha uma certa dificuldade para a aceitação do mistério da Imaculada Conceição. Foi o franciscano Duns Scoto no séc. XIII, quem solucionou a dificuldade ao mostrar que era sumamente conveniente que Deus preservasse Maria do pecado original, pois era Maria destinada a ser mãe do seu Filho. Isso era possível para a Onipotência de Deus, portanto, Deus, de fato, a preservou, antecipando-lhe os frutos da redenção de Cristo.

Graças a Deus, rapidamente a doutrina da Imaculada Conceição de Maria no seio de sua mãe Sant'Ana foi introduzido no calendário romano. A própria Virgem Maria apareceu em 1830 a Santa Catarina de Labouré, pedindo que se cunhasse uma medalha com a oração: "Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós". E quatro anos depois que a Igreja oficialmente reconheceu e declarou solenemente como dogma em 1854: "Maria isenta do pecado original".

A própria Virgem na sua aparição em Lourdes, confirmou a definição dogmática e fé do povo dizendo para Santa Bernadete e para todos nós: "Eu Sou a Imaculada Conceição".

Virgem Imaculada... rogai por nós!

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Índios


Conheça a história das tribos que habitavam o território pernambucano. Origens e costumes. As lutas pela posse da terra terra. Os remanescentes que tentam escapar da morte em emboscadas.

Atualmente, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), vivem em Pernambuco um total de 25.726 remanescentes dos povos indígenas que primitivamente habitavam no Estado. Eles estão assim distribuídos: Pankararu, 4.062 pessoas; Kambiwá, 1.400; Atikum, 4.506; Xucuru, 8.502; Fulni-Ô, 3.048; Truká, 2.535; Tuxá, 47; Kapinawá, 1.035; Pipipãs, 591 pessoas.

Sobrevivendo em situação precária e, muitas vezes, sendo mortos em emboscadas como vem ocorrendo desde 1986 com os Xucurus, no município de Pesqueira, esses remanescentes indígenas ainda guardam um pouco da cultura dos índios pernambucanos, massacrados ao longo dos séculos. Veja, aqui, um resumo da história de cada uma dessas tribos de Pernambuco:

As tribos

Fulni-Ô: Também conhecidos como Carnijó ou Carijó, vivem do artesanato e agricultura de subsistência no município de Águas Belas. Conservam o idioma Yathê e alguns rituais como o Ouricuri.
Kambiwá: O grupo ocupa uma área de 27 mil hectares de terra entre os municípios de Ibimirim, Inajá e Floresta, desenvolvendo agricultura de subsistência.

Pankararu: Seus remanescentes estão distribuídos em 14 mil hectares de terra entre os municípios de Tacaratu, Jatobá e Petrolândia, conservando algumas de suas festas tradicionais como a Festa do Menino do Rancho e o Flechamento do Umbu.

Atikum: Esses índios ocupam uma área de 16 mil hectares no município de Carnaubeira da Penha, vivem da agricultura de subsistência.

Xucuru: Vivem na região da Serra do Ororubá, município de Pesqueira, conservam algumas festas religiosas como a de Nossa Senhora da Montanha e praticam a agricultura de subsistência.

Truká: Grupo de remanescentes indígenas que vivem da agricultura no município de Cabrobó.

Kapinawá: Vivem na localidade de Mina Grande, no município de Buíque.

Tuxá: Grupo de 41 índios assentados em um acampamento da Chesf, no município de Inajá, depois que suas terras foram inundadas pelo lago da hidrelétrica de Itaparica.

Pipipã: Esses índios viviam nas caatingas entre os vales dos rios Moxotó e Pajeú e foram praticamente dizimados em meados do século XVIII. Atualmente, existe um pequeno grupo de remanescentes no município de Floresta, na região do Rio São Francisco.

Xucurus: os índios marcados para morrer

Os remanescentes do grupo indígena Xucuru vivem na área da Serra do Ororubá, a seis quilômetros da cidade de Pesqueira, no Agreste do Estado. Ali, grupos familiares ocupam 18 aldeias, sendo a de Canabrava o núcleo mais habitado. É também em Canabrava onde são encontrados vestígios marcantes dos traços culturais dos índios cuja presença na região vem desde a época da colonização portuguesa.

Eles são hoje pequenos agricultores e também desenvolvem trabalhos artesanais, como bordados tipo renascença. Estão distribuídos numa área de 27,5 mil hectares, declarada como propriedade indígena em 1994, pelo Ministério da Justiça. Em maio de 2001, o presidente da República homologou a demarcação das terras, mas o processo de criação da reserva indígena ainda não foi concluído. Fato que tem provocado constantes conflitos entre posseiros e índios, com estes últimos levando a pior.

Entre 1980 e 2001, foram assassinados 27 remanescentes dos Xucurus. O caso mais recente foi o de Francisco de Assis Santana (ou Chico Quelé), chefe da aldeia Pé-de-Serra, morto a tiros de espingarda calibre 12, a 23 de agosto de 2001. Mas os assassinatos de maior repercussão foram os do procurador da Funai Geraldo Rolim, em 1995, e o do cacique Francisco de Assis Pereira de Araújo (Xicão), em 1998. Os índios disputam a posse das terras com 281 fazendeiros que também ocupam a região.

Pankararus: legalização das terras se arrasta desde 1942

Com área de 14.294 hectares e cujo processo de demarcação teve início em 1942, a reserva indígena dos Pankararus é um local cercado por duas serras, a do Agreste e a do Mulungu. É uma área de vegetação típica de caatinga, mas com características de vegetação de brejo de altitude. Existem, na região, diversas espécies de cactus e bromélias permeadas por formações rochosas. Também muitos cajueiros, mangueiras e pinheiras. A região tem inúmeras fontes de água e, nas épocas de chuva, surgem riachos temporários.

O centro da reserva está na localidade denominada Brejo dos Padres, comunidade rural do município de Jatobá, e conta com um desordenado conjunto de pequenas casas de moradia, uma igreja dedicada a Santo Antônio, o cemitério e o posto da Fundação Nacional do Índio (Funai). Do outro lado de uma das serras, está situada Tapera, que é a segunda mais importante localidade da reserva, do ponto de vista de ocupação espacial.

Também fazem parte da reserva, as seguinte localidades (estas, menos importantes, do ponto de vista de ocupação): Serrinha, Marreca, Caldeirão, Bem-Querer e Cacheado.

Apesar de ser uma reserva indígena demarcada, a área está invadida por posseiros, fonte de frequentes conflitos com os remanescentes dos Pankararus e do impasse sobre a definição de propriedade da terra. Não se conhece a ocupação inicial da área - se ocorreu segundo costumes tribais ainda existentes em outras regiões do Brasil ou se espontaneamente, de acordo com as necessidades de cada grupo familiar.

A base econômica da reserva é a agricultura, sendo as seguintes as principais culturas: feijão, milho e mandioca, fruteiras como pinha, caju, banana, goiaba e coco. O sistema de exploração é familiar e a tecnologia é rudimentar. A outra atividade econômica mais importante é o artesanato, baseado na produção de cestos, abanos e bolsas de cipó, vassouras, mantas e potes de barro.

A referência histórica mais antiga e precisa sobre o grupo de índios Pankararus data do surgimento da antiga vila de Tacaratu no século XVII. Sabe-se que a atual sede do município foi primeiro uma maloca ou ajuntamento de índios Pankararus, denominada Cana Brava.

Por velhos documentos, vê-se que em 1752 existia ali uma pequena capela consagrada a Nossa Senhora da Saúde, provavelmente erigida pelos padres que serviam na missão de catequese dos índios, dando origem à atual cidade de Tacaratu. Ao que tudo indica por iniciativa desses missionários, os índios foram posteriormente aldeados no lugar chamado Brejo dos Padres, pois ali foi organizada uma missão dirigida por padres da congregação de São Felipe Nery.

Acha-se envolvida em lendas ou suposições a época da fundação do aldeamento, havendo, porém, indícios de que seja de 1802. Em 1855, a população da aldeia era de 580 índios, reduzidos em 1861, a apenas 270. Nesta mesma época foi registrada a presença de posseiros brancos nas terras doadas aos índios por carta Régia de data imprecisa. A extensão das terras na época é também desconhecida, supondo-se duas léguas que nunca chegaram a ser demarcadas.

Somente em 1942, foi feita uma demarcação por iniciativa do antigo Serviço de Proteção ao Índio e, recentemente, foi feita a demarcação total da área , porém os posseiros permanecem nas terras, aguardando indenizações do governo federal. Esta presença de posseiros tem trazido muitos conflitos com os índios.

A presença de brancos na área não é fato recente. Algumas das famílias estão instaladas no local há gerações, tendo convivido pacificamente durante décadas com os Pankararu e desfrutado com eles a terra sabidamente de domínio indígena. Em 1979, o aumento da população branca fez com que as relações entre posseiros e índios se deteriorassem de maneira drástica.

Atualmente, segundo os índios, a hostilidade é marcada por atos de violência dos civilizados nos quais estão envolvidos não só antigos posseiros como novas famílias que, tendo perdido suas terras por força da construção da hidroelétrica de Itaparica, instalaram-se na reserva.