sábado, 8 de janeiro de 2011

AMÁLIA GUIMARÃES


Amália, a pernambucana Amália


Por Gilberto Freyre

(Para os Diários Associados)
Matéria publicada no Diário de Pernambuco
Secção Opinião, em 6 de Maio de 1973

Não: não é privilégio de Pernambuco vir contribuindo para dar ao Brasil algumas das mulheres mais ilustres pela personalidade, pela beleza, pela graça, pelo espírito e até pela coragem; que o diga o feito heróico das bravas sinhás de Tejucupapo. Tanto não é só Pernambuco que vem produzindo mulheres superiores que o pernambucaníssimo Joaquim Nabuco, depois de um idílio célebre com iaiázinha fluminense, casou com outra fluminense fidalga e ilustre, sem nunca ter tido flirt sequer com pernambucana; a não ser, segundo certa tradição, uma inglesa das chamadas de Apipucos.

Mas quem, senão uma pernambucana, famosa pela beleza -- uma Alves da Silva -- inspirou a Maciel Monteiro o "formosa qual pincel em tela fina, debuxar jamais pôde ou nunca ousar?" Quem senão uma pernambucana, jovem e morena, mereceu de Castro Alves o seu primeiro amor de poeta talvez mais poeta pelos seus líricos que pela sua ardente retórica política?

Quem senão uma pernambucana foi esposa de diplomata brasileiro que mais se distinguiu na Europa e nas Américas pela fidalguia do seu porte de filha de senhor de engenho brasileiro a quem uma governante inglesa acrescentara dignidade Vitoriana, sendo ela menina de casa-grande de Vitória: Flora Cavalcanti de Oliveira Lima? Quem, senão a tambem pernambucana Dona Olegarinha soube juntar as façanhas cívicas do popularíssimo esposo à doçura e à abnegação de uma abolicionista por nenhuma outra exercida no Brasil, em serviços à grande causa?

Pernambuco vem sendo tão opulento de mulheres de valor como de homens superiores. E há uma graça de mulher brasileira que só se encontra na pernambucana como há outra própria só de baianas e, ainda outra, de gaúchas, sem nos esquecermos do encanto, já internacionalmente célebre, da carioca ou da paulista.

Ao que se pretende chegar com este comentário ao valor da pernambucana? À recordação de recente perda, para Pernambuco, de uma figura de mulher em cuja personalidade se juntavam as mais fortes características da gente de sua terra. Ninguem mais brasileira. Mas dentro de sua brasileiridade, ninguem que, no Rio, onde residia há longos anos, se conservasse mais fiel às suas origens. Mais pernambucanamente mestra da culinária tradicional de Pernambuco. Mais vibrante de civismo. Mais leitora de autores novos sem deixar de reler os antigos. Mais saudosa dos sobrados do Recife, dos azulejos de Olinda, dos canaviais de Jaboatão, das goiabeiras dos fundos de sítios ou simplesmente de quintais recifenses.

Refiro-me a Amália Guimarães de Barros Carvalho. Era senhorial sem deixar de ser simples. Juntava ao gosto pelas pratas, pelas louças e pelos móveis fidalgos a sensibilidade às artes populares mais rústicas; inclusive a dos doces plebeus vendidos outrora -nos dias de sua meninice - em taboleiros. Explica-se que de sua união com o no fim da vida Senador Antonio de Barros Carvalho tivesse resultado uma artista do extraordinário valor de Rosa Maria*. Complementavam-se, nos últimos anos, a mãe e a filha.

Inclusive a filha ilustrando, de modo admirável, o livro que a mãe deixa felizmente pronto para publicação, de receitas de quitutes tradicionais de sua terra. Livro que, agora, precisa de sair quanto antes, com as suas ilustrações a cores inspiradas pela autora à arte da filha e colaboradora.

* Rosa Maria de Barros Carvalho -- filha única de Antonio e Amália, ilustrou várias obras de Gilberto Freyre e de outros famosos personagens da literatura brasileira.

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