terça-feira, 11 de janeiro de 2011

ASCENÇO CARNEIRO GONÇALVES FERREIRA


Imortalizado como Ascenço Ferreira, o mais renomado poeta pernambucano - foi grande, não só em estatura física, com quase dois metros, mas também em sua prosa.
Falava a língua do povo, numa cadência exuberante e apaixonada, contando as histórias dos nosssos engenhos, dos canaviais, da vida quotidiana e dos anseios do seu povo.

Com o seu famoso chapéu de palha, espalhava pelo Recife a fumaça dos seus charutões, estremecendo as pontes e os prédios com a sua voz profunda e convincente. Declamava pelas ruas do Recife os seus versos, a quem quizesse ouví-los, e entre o povo firmou sua fama e sua glória. Não era homem de palácios nem gabinetes, porque sua essência era o povo.

Tive a honra de conhecê-lo pessoalmente, e de tomar-lhe a benção, apesar de temeroso da sua imponente figura. Nosso primeiro encontro foi por volta de 1955, quando eu eu tinha apenas 10 anos e minha mãe -- Graziella Marroquim do Nascimento -- me levou para visitar Maria Stella, na sua casa em Campo Grande, Recife. Ascenço e Maria Stella haviam sido muito amigos de Adalberto Afonso de Almeida Marroquim, irmão da minha avó materna, Adalgisa Amanda de Almeida Marroquim - ambos naturais de Campos Frios, Água Preta e filhos de Francisco Corrêa de Almeida Marroquim e Sebastiana Maria da Conceição Areda.

Na época não sabia, mas ele já era separado de Maria Stella de Barros Griz, sobrinha de minha avó paterna, Francisca Gouveia de Barros. Foram amigos por toda a vida, apesar da separação. A casa de Maria Stella era quase vizinha à de seu irmão, também poeta, Jayme de Barros Griz (foto ao lado) - outro vulto do "ciclo da cana de açucar" - poeta dos engenhos e dos canaviais e dono do engenho Liberdade, em Palmares.

Anos mais tarde - já na adolescência - é que eu o conheceria mais profundamente, mas através de sua obra. Estimulado pelo saudoso Irmão Cláudio (Marista, também poeta e grande amigo de Ascenço e de Jayme Griz), declamei seus poemas, mergulhando meu ser na exuberância dos engenhos, no cheiro da cana moída e no verde plenipotente dos canaviais. Com ele aprendi o rítmo e a simplicidade da narração poética e a ele devo o amor que tenho à poesia, à minha terra e às minhas raìzes.

Relembro outros encontros casuais no início da década de 1960, na lanchonete Savoy, da Avenida Gurararapes e no restaurante Leite, em frente ao cinema Moderno, pontos habituais dele e de meu pai, Carlos de Barros Carvalho (foto ao lado).

Além de serem primos, por via do casamento de Ascenço com Maria Stella de Barros Griz -- prima de meu pai, foram amigos de infância, juntamente com os oito outros irmãos Barros Carvalho. Gostavam de um chopinho bem gelado, uma boa aguardente e os pratos fastidiosos do cardápio pernambucano - rabada, sarapatel, cozido, e carne de sol - tudo com farinha de mandioca - como ilustra Semira Adler Vainsencher, pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco:

"Ascenço tinha quase 2m de altura, usava um chapéu de palha na cabeça, adorava comer e fumava sempre um grande charuto. Um de seus amigos lembrava que, certa tarde, depois de tomar banho no rio Passarinho, o guloso poeta almoçou três pratos fundos de sarapatel, com farinha de mandioca e pimenta malagueta, bebeu um litro de aguardente com mel de abelha, e, de sobremesa, ainda comeu a metade de uma jaca mole. Quando chegara em casa, à noite, disse à esposa que estava sem fome e, por isso, se contentava com um prato de pirão de leite e um pedaço de carne de sol".

A amizade de Ascenço com o meu tio Antônio de Barros Carvalho era mais intelectual e política, mas sempre incluindo os nossos pratos tradicionais. Em 1917 ele dois e outros intelectuais fundaram a sociedade HORA LITERÁRIA DE PALMARES. Gerardo Mello Mourão, no seu livro "Um Senador de Pernambuco - Breve Memória de Antônio de Barros Carvalho" - 1999, Topbooks Editora, Rio de Janeiro - páginas 97 e 98 -- conta que Antônio foi um dos que introduziram Ascenço no âmbito sociai e político de Pernambuco e do Brasil - assim conta o autor, referindo-se ao primeiro encontro do então deputado Barros Carvalho com Getúlio Vargas:


"...Getúlio tornou logo informal e cordial o encontro. Sua primeira e surpreendente pergunta foi: "O senhor, que é pernambucano, conhece pessoalmente o poeta Ascenço Ferreira"? "É meu parente, -- informou Barros -- casado com minha prima, a bela Stela Griz". "Pois traga-o aqui, que gosto muito de vê-lo". E passou a recitar de cor o famoso poema de Ascenço sobre as bravatas do gaúcho, que terminava com o verso: "Pra quê? -- Pra nada". Tres ou quatro vezes Barros levou o gigantesco Ascenço ao presidente, que sempre lhe pedia para recitar o poema do gaúcho. O poeta o repetia em sua voz ondulada e em seu cultivado sotaque nordestino, e Getúlio dava sempre uma gargalhada no final". E continua o autor:.



"O poeta Ascenço Ferreira, filho da professora dona Marocas, era companhia permanente de Barros, desde os dias da infância em Palmares. Pouca gente sabe que o nome de registro de Ascenço era Aníbal Torres. Mas foi Ascenço que ele se chamou, desde menino, quando trabalhava como balconista na loja palmarense de seu padrinho Joaquim Ribeiro.

Esta amizade se tornaria íntima e familiar, depois que Barros o apresentou a sua prima Stela Griz, Maria Stela de Barros Griz, filha do poeta Fernando Griz, com quem se casou. Foi ainda Barros que introduziu o poeta de Cana caiana em alguns dos melhores círculos do Recife, levando-a a amigos como seu tio, deputado Gouveia de Barros, Luís da Câmara Cascudo, Manoel Bandeira e Gilberto Freyre. Este último o faria participar do Congresso Afro-Brasileiro, realizado no Recife em 1934.

Depois da edição de Cana caiana, de 1939, custeada por Edgard Teixeira Leite, Ascenço teve suas belas edições lançadas por José Olympio, no Rio, por interferência de Barros, com muitas páginas ilustradas por sua irmã, Lúcia de Barros Carvalho, ou Lúcia Nóbrega, que tomou o nome artístico de "Suané".

Alguns poemas de Ascenço registram a aproximação que tinha à família Barros Carvalho. Um deles,intitulado "Tradição", foi baseado em história contada a Ascenço pelo Padre Nelson de Barros Carvalho, referindo-se ao meu avô, o coronel Carvalhinho (José de Carvalho e Albuquerque, casado com D. Francisquinha (Francisca Gouveia de Barros) -- foto abaixo, tia materna de Maria Stella de Barros Griz:
Foto: Francisquinha e Carvalhinho - Bodas de Diamante


"Tradição"
Ascenço Ferreira

"Terraço da Casa-Grande de manhãzinha
fartura espetaculosa dos coronéis:
-- Ô Zé-estribeiro! Zé -- estribeiro!
-- Inhôôr!
-- Quantos litros de leite deu a vaca Cumbuca?
-- 25 seu Curuné!
-- E a vaca Malhada?
-- 27 seu Curuné!
-- E a vaca Pedrês?
-- 35 seu Curuné!
-- Sóo? Diabo! os meninos hoje não tem o qui mamar!"

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