segunda-feira, 11 de abril de 2011

Nova Jerusalém: idealizador revela origem do Drama da Paixão (PARTE I)

Em depoimento ao Museu da Imagem e do Som, criador do Drama da Paixão conta como surgiu o espetáculo, como Nova Jerusalém foi construída e lembra o dia em que o Cristo quase foi devorado pelas formigas.

Empresário e político, Epaminondas Cordeiro de Mendonça nasceu a 08 de julho de 1897 e, em 1924, fixou residência em Fazenda Nova, com o objetivo de tratar da saúde, pois o lugarejo era famoso por conta do clima e de fontes de água mineral. Na época, não havia nem estrada de barro e, para que seus negócios não fossem à falência, ele teve uma idéia: atrair a clientela com a montagem de um "Drama do Calvário".


O espetáculo vingou e acabaria dando origem à atual Nova Jerusalém. No depoimento que reproduzimos aqui, prestado ao Museu da Imagem e do Som de Pernambuco e publicado em 1975 pelo Jornal da Cidade, do Recife, Epaminondas Mendonça conta como tudo começou.


MISPE - Antes de vir para Fazenda Nova, o que fazia o senhor?

Epaminondas - Eu trabalhava no comércio, na cidade de Quipapá, desde 1914. Em 1924, a bem da saúde, vim para Fazenda Nova. Em 1927, transferi minha casa comercial para Panelas, neste Estado, onde fui exercer o cargo de prefeito do município. Em 1928, consegui do governador Estácio Coimbra a elevação de Fazenda Nova à categoria de vila e sede do distrito de Mandaçaia, a que pertencia Fazenda Nova. Em 1930, na revolução getulista, voltei para Fazenda Nova.

Em 1931, coordenei uma comissão para examinar a água de Fazenda Nova e consegui que esta comissão adquirisse os terrenos onde estão situadas as águas minerais. Em 1934, fundei o primeiro hotel de Fazenda Nova, o Hotel Familiar. Em 1940, fui para o Recife educar a família, os filhos, que já eram nove, e voltei em 1945, fundando novo hotel e a casa comercial. Em 1951, as coisas andaram pretas para o hotel: funcionando mal, pouca gente, não tinha concorrência que pagasse as despesas. Até então não tinha estrada. Em 1951/52 idealizei o "Drama do Calvário" para chamar o turismo para Fazenda Nova.

Nesse tempo, não se falava em turismo em Pernambuco, falava-se em turismo na Alemanha. Lendo uma revista, encontrei o drama de Oberabergau: uma terra que vive exclusivamente de turismo, na Alemanha. Uma revista americana publicava sobre o drama de Oberabergau. Meu filho Luiz, que fez a parte de Cristo até o ano passado, ou melhor, retrasado, conseguiu com um amigo dele, um coletor de gravatá, fazer o "Drama do Calvário". No ano de 1952, inaugurávamos o espetáculo, em palcos de táboas de pinho, na Vila de Fazenda Nova, já então com três hotéis, todos fazendo pouco negócio, e o espetáculo pouco rendimento deu. Até aí, os freqüentadores eram pessoas das cercanias: Brejo da Madre de Deus, Caruaru, São Caetano. Não deu muito rendimento.

MISPE - Quem eram os atores?

Epaminondas - Os atores eram todos da terra, somente Luiz e um rapaz do Recife trabalhavam como atores. Luiz, meu filho, dirigia o teatro. Todo o teatro, no primeiro ano, foi feito com o povo de Fazenda Nova. No segundo ano, trouxe um rapaz que trabalhava num circo para fazer a figura mais forte, que era a do Judas, e Miguel Errante. Depois do terceiro ano, trouxemos um para, para Caifaz, e então trouxemos o Clênio Vanderley, fazendo o papel de Judas Iscariote e Caifaz. A partir de 1959, o drama não foi mais em palco, foi na vila de Fazenda Nova, de casa em casa. A fonte de Fazenda Nova passou a fazer quase a maior parte do drama: a encenação do calvário, o morto, o cenáculo, a ressurreição, tudo se fazia nas pedras da fonte. E o espetáculo, então, foi melhorando e no terceiro ano tivemos grandes concorrências do Recife. Já aí vinham dois ônibus de turismo da prefeitura do Recife.

A prefeitura do Recife inaugurou o turismo, criando um departamento que não se chamava de turismo, mas Departamento de Documentação e Cultura. Consegui dois ônibus fretados pela prefeitura e, assim, fazia no meu hotel e nos outros hotéis hospedagem barata para esse povo, com passagens baratas. Era uma média, entre tudo, de dez cruzeiros para cada pessoa que vinha assistir ao drama três dias. O espetáculo saía barato, com dez "contos" o pessoal assistia e pagava na prefeitura todas as despesas, de transporte, de comida. O drama era gratuito, não se pagava nada. Foi progredindo e aí, no segundo ano, terceiro ano, devido à afluências de muitos turistas de Maceió, da Bahia e de outros lugares...

Já no quarto ano, veio uma artista da Bahia, uma moça que trabalhava em teatro na Bahia, e o drama foi de vento em popa, subindo até que, em 1958, atingiu o auge e em 1959, já com a direção de Plínio Pacheco, deu o máximo de rendimento: cerca de seis mil pessoas. Oitocentos automóveis encheram Fazenda Nova completamente e quase não se foi possível levar o drama, foi preciso a Polícia Rodoviária para conter os automóveis. Fez-se o drama pela cidade, quase não se podia trabalhar. A assistência superlotou toda a vila.

MISPE - Como foi que Plínio Pacheco apareceu em Fazenda Nova?

Epaminondas - Plínio Pacheco veio aqui para assistir ao drama e, então, enamorou-se de Diva, no carnaval, e casou-se com ela. Tornou-se, então, uma pessoa ligada inteiramente ao "Drama do Calvário".

MISPE - Dona Diva fazia o papel de que?

Epaminondas - Fazia o Satanás e a bailarina. O primeiro papel dela foi Satanás, na pedra da fonte. A princípio, quase toda minha família levou as partes principais: eu fiz o Caifaz, porque não tinha quem quisesse fazer; José, meu filho mais velho, fez José de Arimatéia; Diva fez o Demônio; Geni fez a Verônica; Paulo fez Pilatos durante muitos anos; Marly, sua esposa, fez Madalena; Nair fez Maria santíssima; toda a família. No ano de 1959, verificamos que não se podia mais fazer o drama na vila, era impossível. Enchia-se completamente de automóveis, de gente, vozes extras, tudo. As casas ficavam completamente cheias de gente, os postes das ruas ficavam cheios de gente, as árvores lascavam-se de tanta gente, as pedras, que faziam parte dos cenários, ficavam completamente superlotadas de gente, era preciso a Polícia para deter os assistentes que invadiam o palco principal, a fonte.

Combinou-se, então, que havia de se encontrar um terreno para fundar um teatro ao ar livre que adaptasse todo o espetáculo. Aí, Plínio comprou um terreno, com apoio da Sociedade Brasileira de Teatro, que forneceu a importância de CR$ 200,00. Plínio, então, deu início a esse espetáculo, saiu fora da órbita do antigo espetáculo, eu nem tomei mais parte. Já éramos um simples assistente, minha senhora e eu. Minha senhora adoeceu mas, como não queríamos perder o primeiro espetáculo na Nova Jerusalém, ela foi numa ambulância, transportada numa maca, para ir comigo assistir ao espetáculo, já no governo de Nilo Coelho.

MISPE - Gostaríamos que o senhor recordasse fatos pitorescos neste drama.

Epaminondas - No primeiro ano do espetáculo houve um fato curioso que é necessário frisar: fazia-se uma cova rasa no chão e deitava-se o Cristo nos lençóis, dentro da cova. Não era como hoje, que é de pedra. Então levamos o Cristo, depois da cruz, para enterrá-lo na cova rasa. Jogamos o Cristo dentro da cova. A cova era de terra e tinha formiga preta. Quando foi preciso tirar o Cristo de dentro da cova, ele estava sendo devorado pelas formigas, estava todo cheio, na perna.

MISPE - E ele não reclamava?

Epaminondas - Não,para não prejudicar o espetáculo. Estava quase sendo devorado pelas formigas, milhares de formigas no corpo todo. Ele teve que fazer a ascensão suportando as picadas das formigas.Depois de tudo feito é que ele pode tirar as formigas.

MISPE - Por que o senhor decidiu criar o Drama da Paixão?

Epaminondas - Eu não disse ainda porque fiz o "Drama do Calvário". Vou dizer agora: os hotéis, que já eram em número de três, estavam quase paralisados e eu li essa revista e, com Luiz, idealizei esta peça e bolamos o primeiro ano. Um jornalista me entrevistou e me perguntou por que eu levei o "Drama do Calvário", se era promessa, religião ou coisa que o valha. Meus filhos até levaram a mal, mas eu disse então: nada disso! Eu quero dar início, em Pernambuco, a um movimento turístico e Fazenda Nova se adapta a Oberabergau. O jornalista me perguntou se era turismo, e eu disse que é. Não vou dizer que é promessa, religião ou política. O meu objetivo é fazer com que Fazenda Nova encha os seus hotéis. E, de fato, já no segundo ano, os hotéis foram de vento em popa. Todos superlotados. Com o lucro conseguimos comprar o Grande Hotel e prepara-lo para o drama.

MISPE - O senhor acredita que o espetáculo de Fazenda Nova tenha modificado, de alguma forma, a região, o povo da região?

Epaminondas - Quando chegamos aqui, encontrei 13 casas, em 1924. Hoje (nota da redação: 1975), a estatística apurou que há 511 casas em Fazenda Nova. Fazenda Nova cresceu pouco em comércio, porque durante o ano o comércio não tem muito movimento. Sua agricultura não cresceu muito, sua criação de bovinos e eqüinos, de todos os animais, não tem desenvolvido muito. Porém, o "Drama do Calvário" fez com que tivéssemos quatro hotéis.

Continua...

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