sábado, 25 de junho de 2011

Lolita


QUEM NÃO CONHECE LOLITA
NÃO CONHECE O RECIFE


Entrevista ao "Jornal da Cidade", 6 de julho de 1975.

Ivo Alves da Silva nasceu no interior e veio para o Recife com suas verdades e sua maneira de ser. Dentro da marginalidade ele se fez conhecido mas estendeu seu mundo até os corredores de universidades, onde divertia gerações de estudantes universitários, assim ele se fez uma pessoa conhecida na capital, um "Gente da Cidade". Na redação do "Jornal da Cidade", ele aos 45 anos, contou aos repórteres Ivan Maurício, Beth Salgueiro, Vera Ferraz, Geraldo Sobreira e Jones Melo, em sua primeira grande entrevista, a história de seu personagem: Lolita.

LOLITA - Os meus camaradas gostam de dizer bicha, bicha, eu sou diferente. Eu sou Lolita, o internacional, eu vim, vi e venci.

JORNAL DA CIDADE - De onde você veio?

LOLITA - Saí de Nazaré da Mata, com 15 anos de idade. Tudo por influência dos amigos. Mas, eu sempre gostei de varar mundo, sou como urubu, gosto de voar, em todo galho de mato faço minha morada. Cheguei no Recife para trabalhar de servente e cozinheiro e estou aqui, com todo sucesso até hoje.

JORNAL DA CIDADE - Que idade você tem, onde você mora?

LOLITA - Estou com 45 anos, nasci no dia 6 de janeiro de 1933. Estou morando no Pina na "Pensão Jaú", é lá onde faço os serviços de cozinha e a noite vou me divertir nos bares, todo mundo gosta de mim. Antes eu morava na Ilha do Maruim, passei 15 anos lá, saí porque tudo muda e eu também mudei.

JORNAL DA CIDADE - Como você mudou?

LOLITA - Ah, agora eu não sou mais aquele que topava toda arruaça e gostava de provocar policial, mas ainda dou meus shows, pois a veia artística está dentro de mim.

JORNAL DA CIDADE - Como é teu nome verdadeiro e como surgiu o apelido "Lolita"?

LOLITA - Meu nome é Ivo Alves da Silva. Agora esse negócio de "Lolita" surgiu porque foi uma destinação. Um dia eu ia passando na rua e vi um folheto de feira, ah essa é outra história que depois eu conto. Lolita mesmo foi o seguinte. Meu nome teve origem no filme "Carnaval Atlântida", eu assisti várias vezes e decorei os diálogos. A artista que fazia o papel de "Lolita" era Maria Antonieta Pons. Aí eu comecei a recitar os diálogos para os meus amigos, estudantes de engenharia e eles começaram a me chamar de Lolita e ficou até hoje.

JORNAL DA CIDADE - Conta agora a historiado folheto que você ia passando...

LOLITA - Sim, é, eu ia passando, vi o folheto, folheei, gostei e comprei logo. Nessa época eu já me chamava Lolita, e o nome do folheto de João Martins de Athayde era "Lolita Era Uma Condessa", que dizia assim: "Lolita era uma condessa/filha do Conde de Aragão/Desde muito criança/tinha bom coração/embora que seus pais/não fossem essa educação/porque o Conde pai de Lolita/só olhava para o ouro/por isso chamava um cofre/o céude mau anjo louro/Dizia que a alma dele/Era a honra e o tesouro".

JORNAL DA CIDADE - Você gostou desse folheto por quê?

LOLITA - Não sei, gostei dos versos. Esse folheto me ajudou muito nas horas difíceis. Quando eu ia preso por causa de bebedeira, eu recitava esse folheto para os delegados e eles me soltavam. Eles gostavam quando eu dizia: "Lolita desde criança era compadecida/Dava pequeno valor/aos objetos da vida/visitava os hospitais/inda que fosse escondida".

JORNAL DA CIDADE - Mas Lolita, porque você veio para o Recife e o que você fazia em Nazaré da Mata, até os 15 anos?

LOLITA - Eu não tive infância. Passei a vida sempre trabalhando no campo, limpando mato, fazendo roça. Meus pais eram agricultores, morando em terra de senhor de engenho.

JORNAL DA CIDADE - Havia escola, você chegou a estudar alguma coisa, como aprendeu a ler?

LOLITA - Estudei cinco anos em Nazaré da Mata, no Grupo Escolar Maciel Monteiro, depois fui para Limoeiro, lá terminei o Ginásio. Foram meus colegas Dr. Luiz Gonzaga de Vasconcelos, Dr. Almeida Filho que foi delegado e é deputado conhecido como Almeidinha. Muita gente grande. Inclusive meu retrato está pregado numa parede. Outro colega meu, foi o Dr. Anacleto que é comissário de Casa Amarela, o Dr. Paulo Couto Malta, jornalista do Diário de Pernambuco.

JORNAL DA CIDADE - E por que você deixou a família? Como foi?

LOLITA - Meus viajaram para São Paulo. Meu pai era despeitado comigo. Ele não aceitava minhas qualidades corporal. Com idade de 10 anos comecei a depravação, por influência de colegas. Não tive um primeiro namorado, o primeiro foram vários, eu era o mais fraco e cedi, num banho de açude, sabe como é, gosto de falar por parábolas, eles me forçaram e depois foram contar tudo ao meu pai. Com 16 anos fui para Limoeiro, trabalhar com o padre Nicolau Pimentel, porque a família tinha ido para São Paulo, foi quando estudei e terminei o Ginásio com 22 anos. Nessa época eu pensava em ser professor, mas o vício não deixou mais, aos 16 anos eu estava viciado na bebedeira.

JORNAL DA CIDADE - E quando você chegou no Recife?

LOLITA - Quando eu cismo de fazer uma coisa, eu faço. Cheguei em Recife no ano de 1954, a zona era muito diferente. Eu vim para fazer serviços domésticos, mas a vida do bairro do Recife me encantou e eu tive vontade de entrar nela, de conhecer a Capital e enfrentei a barra pensando que dominava ela, mas ela leva a gente junto e a gente vai bebendo para esquecer alguma coisa.
JORNAL DA CIDADE - Você já pensou em parar com a vida que você leva?

LOLITA - Eu nunca me arrependo do que faço. O Dr. Dias da Silva psicólogo, mesmo um dia falou na televisão, que eu devia ir pra uma clínica, etc. Mas eu já fui duas vezes na Tamarineira (hospital psiquiátrico) e já entrei uma vez no Sancho (hospital para tuberculosos) com uma deficiência no pulmão.

JORNAL DA CIDADE - Por que esse ditado de "Quem não conhece Lolita, não conhece o Recife"?

LOLITA - Eu já estou cheio de tanta pergunta. Quem inventou essa história foi o Detetive Dunga, aquele que tem uma revista a "Repórter Policial", essa revista era muito famosa e eu também como gente famosa, internacional, fui convidado por ele para posar e ele fez uma foto minha assim (faz o gesto, abrindo os braços), publicou numa página e escreveu em baixo, "Quem não conhece Lolita, não conhece o Recife". Aí o pessoal leu e começou a falar isso e eu também comecei a falar aos estudantes e eles pegaram e ficou até hoje.

JORNAL DA CIDADE - Por que você ia para as faculdades?

LOLITA - Porque eu precisava dar expansão a minha veia artística e os estudantes gostavam de mim, me entendiam, eu cantava, recitava e eles batiam palmas.

JORNAL DA CIDADE - Lembro que você gostava muito de "Arlequim de Toledo", que você imitava Ângela Maria ...

LOLITA - Era. Eu gostava e gosto, mas agora estou aprendendo outra de Clara Nunes, "É Água No Mar", estou quase aprendendo ela toda.

JORNAL DA CIDADE - Você já cantou em outro lugar fora as faculdades?

LOLITA - Já. Eu cantei num programa de calouro que tinha aqui, era deixe eu ver o nome... era de Nilson Lins e Castelão (Fernando Castelão).

JORNAL DA CIDADE - "Varieté".

LOLITA - Era esse mesmo. Muitas vezes eu fui cantar lá como calouro. Lá conheci muita gente: Ângela Maria, eu vi de perto, assim, Cauby Peixoto, que é meu colega também, tinha Nerize Paiva. Os programas eram de Castelão, Nilson Lins, os cantores eram os que falei. Déa Soares, José Auriz, que cantava tango.

JORNAL DA CIDADE - E como você se sai nesses programas? Você pensava em seguir a carreira arística?

LOLITA - Não. Eu ia porque gostava. Nessa época não existia buzina, eram urros. Eu cantava "Chiquita Bacana", ainda canto quando estou queimado. No programa "Varieté", na Rádio Jornal do Commercio, toda vez eu ia vestido de homem, camisa esporte, levava vaia e aplausos. Os estudantes gostavam. Minha reação era de achar graça. Depois eu me operei das amígdalas, não fui mais, só nas faculdades de Direito e Engenharia.

JORNAL DA CIDADE - Quem são seus cantores favoritos hoje?

LOLITA - Gosto dos mesmos, de Ângela Maria, gostava da finada Dalva de Oliveira, Cauby, de Carlos Alberto.

JORNAL DA IDADE - Como você vê o Recife, hoje, mora aqui, você conhece o Recife todo?

LOLITA - O Recife que eu conheço é a zona e as faculdades. Alguns arrabaldes de passagem. Sempre morei na confusão. Hoje o Recife está muito mudado. Faz cinco anos que não vou ao bairro do Recife, moro agora no Pina. Quando eu cheguei aqui as pensões que estavam no auge eram várias. A primeira pensão que eu fui foi na Vigário Tenório, depois fui para a Mariz e Barros, Marquês de Olinda, só gostava de me focalizar em lugares assim. As casas tradicionais naquela época eram a "Chantecler", "Moulin Rouge", na época que cheguei a boate "Flutuante" era famosa, que depois naufragou-se naquela ponte Maurício de Nassau. Aí eu brincava, dava expansão ao meu gênio. Hoje modificou tudo porque os delegados fecharam tudo. Estão mudando a zona para os bairros Boa Viagem e Pina. É bom mudar de local, já é outro sucesso que se faz.

JORNAL DA CIDADE - Dizem que você já brigou com uma guarnição da Rádio Patrulha, é verdade?

LOLITA - Eu não admito provocação, sou muito nervoso. Já tomei revólver de mão de gente, um capitão da tropa à paisana. Tudo é a ocasião. Sempre fui vencedor. Quando eu era preso, o delegado me soltava, Dr. Mário Alencar me adorava, só quando era delegado estranho é que me encanavam. Quando eu cismava da Rádio Patrulha eles não me levavam não. Quando surgiu aquelas duplas de "Cosme e Damião", em 1955, o povo dizia "você agora vai se endireitar". Resolvi tirar a dúvida. Tomei meia garrafa de cana e fui pra Avenida Guararapes, lá pra esquinada Sertã. Cheguei lá,encarei os dois que vinha do Cinema Art-Palácio. E perguntei: "Quem de vocês é Cosme ou Damião dos dois?". Eles perguntaram: "Quem é você?" Eu disse: "Sou o Lolita falado" e o pau cantou, briguei e rasguei a túnica dele todinha. Ah, eu já fiz muita sugesta com a polícia. Aí eles me levaram num Ford verde.

JORNAL DA CIDADE - Mas um dia você já encarou uma parada que não deu para encarar?

LOLITA - Eu peguei uma detenção porque cortei um soldado. Caí no artigo 129, três meses de Detenção, ferimento leve e eu era primário. Foi Romildo Leite, que é despeitadíssimo comigo, que me arranjou essa. Eu tava bebendo, eu e três soldados, aí eles queriam que eu pagasse a conta, aí eu joguei a caneca de chope na cabeça de um, ele levou dez pontos e eu fui autuado em flagrante. A prisão foi o canto melhor que achei, não fazia questão de estar lá, nem mesmo bateram em mim. Nessa época eu tomava muito tóxico, "perventim", "dexamil" com cachaça, mas nunca andei armado e sou muito desconfiado. Sou intoxicado pela bebida, é esse meu diagnóstico de eu ser revirado na vida. Muitas vezes me acordava dentro do xadrez, antigamente me perseguiam muito. Hoje trabalho numa pensão na Rua do Jaú, 262, sou cozinheiro, sei fazer tudo na cozinha: lombo, bife a milanesa e faço outros trabalhos domésticos. Ganho Cr$ 20,00 por semana que dá para eu beber. O resto consigo fora. Todos s sábados recebo de um colega do Ginásio Cr$ 30,00, é Dr. Vladimir, um advogado, no 8º. Andar do Banco do Brasil. Toda noite vou brincar, vivo agora da fama, brigas nunca mais.

JORNAL DA CIDADE - Como você vê as mulheres que convivem com você?

LOLITA - A condição das mulheres da zona é precária. Vivem mendigando o pão. A blitz quando chega, pronto, a vida é difícil. Mais fácil que a delas é a minha, pelo meu conhecimento. A Polícia sempre combate as mulheres. Nós, os da minha espécie eles agora deixaram de combater. Já fiz papel de cafetão quando vivia no bairro do Recife. Ganhei um dinheirinho. Hoje no Pina me perguntam por uma mulher boa, eu gigo, mas não arranjo mais. Quando elas ganham um dinheiro bom, me dão alguma coisa.

JORNAL DA CIDADE - Hoje você não sabe mais de sua família?

LOLITA - Na minha casa éramos 10 irmãos, 6 homens e 4 mulheres. Uma vez me perguntaram, seu irmão é toureiro, em Limoeiro, e você toureia o que? Eu disse: - Homem. Mas eles estão tudo em São Paulo, moram na Vila Maria. Minha mãe quando veio de São Paulo, me achou fácil por causa de uma tia minha e do conhecimento. Ela queria me ver. Me deu Cr$ 50,00 daí pra cá não sei mais dela. Ela sempre me protegia quando nós morava em Nazaré da Mata (chora) eu disse que não me arrependo de nada do que faço, mas eu sei,se eu não fosse assim, estava noutra, sou muito sentimental. E toda vida fui popular. Meu nome é internacional. Faz uns 10 anos que chegaram umas pessoas de Minas Gerais procurando o famoso Lolita da Capital, há 6 anos veio um rapaz da Rede Tupi para me filmar e dar um banho de loja...

JORNAL DA CIDADE - Você teve ou tem um grande amor na vida?

LOLITA - Eu nunca tive amor, tive simpatia. Dois é muito, três é demais.

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