terça-feira, 2 de agosto de 2011

A Escrava Gertrudes



A paraibana alforriada travou batalha judicial durante 14 anos para evitar que fosse vendida ilegalmente. Bastante conhecida na então Parahyba, a “Negra do Tabuleiro”, como era chamada, vendia frutas, verduras e o que mais lhe permitiam. Com cerca de 30 anos, Gertrudes Maria não quis ser vendida em praça pública e, para que isso não acontecesse, travou uma verdadeira guerra judicial pela própria liberdade, que durou 14 anos.

Em 1820, a escrava que era propriedade de Carlos José da Costa conseguiu comprar a própria liberdade pela metade do seu valor, sob a condição de prestar serviços a ele por tempo indeterminado para quitar o restante da dívida. Gertrudes, que já aproveitava a liberdade condicionada, só não contava que o seu senhor estivesse cheio de dívidas e que poderosos da Capital, inclusive do clero, quisessem usá-la para recebem o valor devido por Carlos José da Costa.

A negra quitandeira teve que se opor a um embargo de penhora contra seu senhor, iniciado em 1828, que colocou em risco a sua liberdade parcial. Seu grande feito foi o de não ter se posicionado de forma passiva e de ter procurado de imediato o auxílio de advogados em sua defesa. Naquela época, não era comum às mulheres ou aos homens escravizados contratarem advogados ou serem representados por eles, visando litigar na justiça, em defesa do que consideravam seus 'direitos', colocando-se contra seus donos ou suas donas.

Na sua luta jurídica, que durou de1828 a 1842, Gertrudes teve que enfrentar poderosos como o carmelita Frei João da Encarnação e o Sr. José Francisco das Neves. Para isso, a escrava contou com a amizade de advogados bastante prestigiados na capital paraibana. Durante os primeiros anos da ação, Gertrudes Maria foi defendida pelos advogados Luís Nogueira Moraes e José Lucas de Sousa Rangel. Em 1830, a causa passou para as mãos de Francisco de Assis Pereira Rocha e de Feliciano José Henriques Júnior. O primeiro atuou por longo tempo na causa de Gertrudes Mara. Ele era um representante da elite paraibana que exerceu vários cargos administrativos, acompanhou o caso por mais de 10 anos, até a década de 1840.

Em 1831, o juiz Inácio de Sousa Gouveia deu ganho de causa aos credores de Carlos José da Costa, considerando a carta de liberdade de Gertrudes Maria nula. Ela deveria ser vendida e ainda lhe cabia o pagamento das custas do processo. Contudo, seus advogados não desistiram e entraram com uma apelação, sendo o processo enviado para julgamento em órgão superior de Justiça, a Ouvidoria Geral da Comarca.

Novas informações sobre a ação cível são datadas de 11 de novembro de 1842, quando um dos credores, José Francisco das Neves, contratou um advogado para reativar o processo. Conforme informações contidas na ação, a solicitação dele foi acatada e Gertrudes Maria e seus dois filhos foram presos, tendo sido libertada em 01/11/1841. O argumento aceito contra Gertrudes era o de que o seu depositário, José Bernardino, "a deixou viver a rédea solta e concubinada com um índio com quem morava de porta adentro e de quem hoje tem duas crias". Para conseguir a liberdade de volta, Gertrudes solicitou um novo responsável, o tenente Modesto Honorato Victor. Quatro meses depois, em abril de 1841, o mesmo credor entrou com uma "Ação em Juízo" na tentativa de vender Gertrudes e os filhos em praça pública para receber a dívida, sendo estas as últimas informações registradas sobre o caso.

Não se sabe o resultado da apelação do caso aludido, mas sua história é emblemática por representar as lutas de muitas outras mulheres escravizadas de várias regiões da Paraíba e do Brasil.

Observações:

1) A história da negra Gertrudes Maria faz parte da dissertação de mestrado da historiadora Solange Rocha intitulada 'Na Trilha do Feminino: Condições de vida das mulheres escravizadas na Província da Paraíba” e defendida na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 2001.

2) O texto foi extraído do jornal “O Norte” de 10/07/2011.

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