segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Para rir até chorar com a cultura popular

Cultura popular é a cultura do povo. É o resultado de uma interação contínua entre pessoas de determinadas regiões. Nasceu da adaptação do homem ao ambiente onde vive e abrange inúmeras áreas de conhecimento: crenças, artes, moral, linguagem, idéias, hábitos, tradições, usos e costumes, artesanato, folclore, etc.

O livro "Para rir até chorar com a cultura popular", de autoria do escritor Marcos França, aborda o lado humorístico dos diversos ramos dessas manifestações, com ênfase para a Cantoria.
Aqui estão reunidos os versos mais lindos e bem humorados de todos os tempos, escritos por grandes poetas e cordelistas nordestinos ou cantados em desafio pelos mais extraordinários violeiros, cantadores e repentistas dessa região.

São mais de 300 páginas onde o autor mostra o melhor do lado humorístico contido em diversos ramos de nossa cultura popular, com destaque para a Cantoria.

O livro também ensina como são construídos mais de 50 gêneros de cantoria, com suas normas e maneiras diferentes de organizar os versos, explicando detalhadamente o tipo de rima, o número de versos, o número de sílaba e metrificação de cada modalidade. A obra contém, ainda, quase 800 adágios, ditados e ditos populares de todos os tempos.

Trechos da Obra

Veja aqui resgates de alguns desafios entre repentistas que você irá encontrar na obra PARA RIR ATÉ CHORAR ... COM A CULTURA POPULAR:

O poeta José Amâncio participava de uma animada Cantoria quando assim falou sobre o amigo Chico Felício, já com quase setenta anos, que ali estava presente para lhe prestigiar:

Felício já namorou
No seu tempo de rapaz.
Já amou, já foi amado,
Hoje é que não ama mais.
Tá qual ferro de engomar,
Solta fumaça é por trás!

Um cantador, apesar de ler a Bíblia, parece não acreditar em tudo que está lá escrito:

A Escritura Sagrada
Eu acho um livro bonito,
Mas tem uma coisa nele
Que eu morro e não acredito:
Que é um jumento tirar
De Belém para o Egito.

Lourival Bandeira Lima duelava com o potiguar Domingos Tomaz, quando fez referência a sua origem racial:

Minha mãe foi branca e bela,
E teve bom proceder!

Domingos, notando em Lourival alguns traços que contradiziam o que ele acabava de dizer, lhe respondeu:

Faz vergonha até dizer,
Que sua mãe foi branca e bela;
E este seu cabelo ruim,
Por que não puxou a ela?
Ou seu pai é muito preto,
Ou então, foi truque dela!

Pinto de Monteiro foi convidado para uma refeição numa propriedade do município de Monteiro, onde foi servido, entre outras coisas, queijo fabricado na própria fazenda. À noite, numa cantoria com Joaquim Vitorino, ficou sabendo de certas particularidades que aconteciam durante a fabricação do queijo que ele havia consumido tão prazerosamente. E ele assim externou sua decepção:

Há vários dias que ando,
Com o satanás na corcunda:
Pois, hoje, almocei na casa
Duma negra tão imunda,
Que a prensa de espremer queijo
Era as bochechas da bunda!

Antonio Marinho cantava em São José do Egito (PE). Presente ao recinto estava um doutor conhecido por Edmundo, que pareceu não gostar de algumas brincadeiras ditas pelos cantadores. Mesmo assim, Marinho não se intimidou diante daquela culta figura:

Parece que não gostou
Nobre doutor Edmundo,
Que é o doutor mais feio
Que eu já vi neste mundo,
Que o fundo parece a cara
E a cara parece o fundo.

Lourival Batista cantava um Mourão com Manoel Xudu, quando uma pessoa da assistência depositou na bandeja uma quantia irrisória, só por gozação. Mas Lourival não gostou daquilo e iniciou decepcionado um Mourão:

Ele só deu um cruzeiro
Pra mim e Manoel Xudu!

Xudu prosseguiu:

Não tem nada companheiro,
Qualquer roupa serve ao nu.

Mas Lourival discordou:

Menos gravata e colete
Porque não cobrem o cacete
Nem a regada do cu.

No Clube Português, em Recife, Pinto de Monteiro e Lourival Batista faziam uma saudação ao Cônsul de Portugal, um fidalgo de nome Felipe, que estava acompanhado de sua esposa, uma senhora de origem francesa, de nome Boucier. Foi quando Pinto veio com essa:

Colega, vamos cantar,
Para um casal de Lisboa.
Felipe é o nome dele,
Boucier sua patroa.
Dela não sei o destino,
Mas o seu nome tira um fino
Numa coisa muito boa.

Zé Limeira foi convidado para abrilhantar a festa de inauguração de uma fábrica de confecções. Presenteado com um novo uniforme, ele logo foi prová-lo. E quando lhe perguntaram como tinha ficado a nova peça de roupa, ele respondeu:

Tem confecção bem feita
A roupa que eu recebi.
No mesmo instante vesti
E a calça ficou perfeita,
Porém um pouco estreita
Pelas curtas dimensões,
Apertei os seus botões,
Ficou arrochada na coxa,
Acumulei a minha trouxa
Mas sobrou os meus cunhões.

Quando cantava em Porto Seguro (BA), um certo cantador, revoltado com as inúmeras notícias sobre roubos e corrupção divulgadas pela imprensa, tentou mostrar para o público que essa prática já era muito antiga. E cantou a sua versão de como tudo começou:

Conta a história em Lisboa,
Que Pedro Álvares Cabral
Gritou pra seus marinheiros
Ao ver o Monte Pascoal:
“Agora já temos um canto
Pra nós roubar, pessoal!”

A sensualidade da mulata brasileira tem o poder de inspirar poetas apaixonados, como no caso da quadrinha a seguir:

Ai, morena, pede a Deus
O que eu peço a São Vicente:
Que junte nós dois, um dia,
Numa casinha sem gente!

Um pobre aleijado que vivia a mendigar pelas ruas de Fortaleza e que atendia pelo nome de “Zé Menino”, também era metido a embolador. A ele é atribuída a autoria dos versos abaixo:

Muié casada
Que duvida do marido,
Leva mão no pé de ouvido
Pra deixá de duvidar.

O violeiro cearense João Siqueira cantava com o piauiense Domingos Martins da Fonseca. O tema abordado, numa determinada hora, era Mulher. Domingos fez uma série de elogios, mas Siqueira assim resumiu seus pensamentos:

Mulher ao nascer é um anjo;
Sendo moça, um sol nascente,
Sendo noiva, uma esperança,
Sendo esposa, uma semente,
Sendo mãe, é uma fruteira,
Sendo sogra, é uma serpente!

A autoria da estrofe abaixo é atribuída a um negro velho, conhecido apenas por Severino, que residia na cidade de Quixaba (CE):

Tem quatro coisas no mundo
Que atormentam um cristão:
Uma casa que goteja,
E um menino chorão,
Uma mulher ciumenta
E um cavalo tanjão.
Mas o cavalo se troca,
A casa, a gente reteia,
O menino se acalanta,
Na mulher se mete a peia.

Ao cantar com Severino Pelado, Ascendino Araújo desabafou suas mágoas, decepcionado com algumas mulheres com quem manteve certo relacionamento. Mas Pelado saiu em defesa da mulher:

Não me fale de mulher,
Pois toda mulher é boa,
Seja honesta ou desonesta,
Mesmo sendo mulher à-toa:
Se não serve pro marido,
Serve pra outra pessoa.

Fonte:http://culturapopular2.blogspot.com/2010/03/para-rir-ate-chorar-com-cultura-popular.html

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