quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Maxixe


Originado de procedimentos empregados pelos músicos de grupos de choro e bandas de coretos do Rio de Janeiro desde a década de 1860, o futuro gênero de música popular chamado de maxixe ia surgir a partir de 1880 acompanhando a maneira exageradamente requebrada de dançar tal tipo de execução, principalmente de polca-tango. Isso poderia ser comprovado quando, a 17 de abril de 1883, na cena cômica intitulada Aí, Caradura!, o ator Vasques mostrava um carioca, em cuja casa se realizava um baile, a incitar seu convidado caradura (hoje cara de pau) a demonstrar suas habilidades de dançarino dizendo: "Vamos, seu Manduca, não me seja mole: eu quero ver isso de maxixe!" O que realmente acontecia obedecendo a seguinte rubrica do texto: "A orquestra executa uma polca-tango, e ele depois de dançar algum tempo, grita entusiasmado: – Aí caradura!". Ao que acrescentava a indicação: "(Canta: No maxixe requebrado/ Nada perde o maganão!/ Ou aperta a pobre moça/ Ou lhe arruma um beliscão!)".

Foi, pois, o estilo de tal forma malandra e exagerada de dançar o ritmo quebrado da polca-tango que acabaria por fazer surgir o maxixe como gênero musical autônomo, ao estruturar-se pelos fins do século XIX sua forma básica: a exageração dos baixos – inclusive pelos instrumentos de tessitura grave das bandas – conforme o acompanhamento normalmente já cheio de descaídas dos músicos de choro. Ou, como explicava no artigo Variações sobre o Maxixe o maestro Guerra-Peixe, "melodia contrapontada pela baixaria, passagens melódicas à guisa de contraponto ou variações e, em alguns casos, baixaria tomando importância capital".

Sucesso brasileiro na Europa

Definido como gênero autônomo, o maxixe, contaminado pelo preconceito em relação ao baixo nível social em que surgira – os forrobodós ou bailes populares também chamados de maxixes –, continuaria a ser cultivado musicalmente até inícios do século XX, muitas vezes encoberto pelos nomes de tango ou tanguinho (caso dos tangos pianísticos de Ernesto Nazareth). E, enquanto dança, progressivamente submetido à estilização dos seus passos – como logo faria o bailarino Antonio Lopes Amorim Diniz, o Duque – a fim de permitir sua aceitação nas salas e salões das classes média e alta. Transformada em número obrigatório do teatro de revistas (desde o quadro Um Maxixe da Cidade Nova, da peça O Bilontra, de Artur Azevedo, de 1866), a dança do maxixe seria levada para a Europa no início dos 1900 para tornar-se – sob o nome de tango brasileiro – uma onda da moda, favorecida por sua atração de coisa exótica. E isso a ponto de estimular compositores locais a tentar o gênero, como aconteceria com o francês Charles Borel Clerk com sua criação intitulada La Matchichinette, consagradora da novidade: "C’est la chanson nouvelle/ Mademoiselle/ C’est la chanson que esguiche/ C’est le matchiche".

A maior prova da repercussão alcançada pelo maxixe na Europa, porém, seria fornecida pela literatura. Em suas Memórias escritas na década de 1960, o escritor soviético Ilia Ehrenburg, ao recordar no capítulo Infância e Juventude, no primeiro volume, da agitada vida russa de 1905, lembrava que, já então, "em lugar da mignone e da chacona da minha infância, as moças estudavam, diante das assustadas mamães, o cake-walk e o maxixe". Em outro livro de memórias – este do escritor Paul Léautaud, no Journal Littéraire – o ensaista e cronista recordava uma recepção na casa de Mme. Dehaynin, num domingo de novembro de 1905, em que, após o jantar, "a senhorita Marcelle Dehaynin, acompanhada ao piano por sua mãe, dançou para nós o cake-walk, o matchice etc. E ainda antes da Primeira Grande Guerra, enquanto Georges Courteline dedicava uma de suas pequenas cenas cômicas ao diálogo de suas parisienses a discutir futilidades como infidelidade dos maridos, festas e o maxixe, o poeta Jean Richepin – segundo revelava o cronista Alvaro Moreyra em 1914 – provocava a Academia Francesa com uma conferência sobre o tango e o maxixe. Tema que, aliás, aproveitaria logo a seguir numa peça teatral escrita em parceria com a mulher, Mme. Richepin.

Desaparecimento gradual

No Brasil, o maxixe, sob esse nome ou disfarçado às vezes por outras denominações (como a de samba, tal como se comprova ouvindo a execução de Pelo Telefone pela Banda Odeon em 1917), prolongou sua trajetória até às vésperas da década de 1930, com alguns piques de sucesso, já agora revestido de letra, como aconteceria com a composição de Sebastião Cirino Cristo Nasceu na Bahia, de 1926. A partir de então, o maxixe estava destinado a reaparecer apenas eventualmente, como aconteceria em 1968, como reaproveitamento do seu ritmo na segunda parte da composição Bom Tempo, de Chico Buarque de Holanda, que ia fazer o público da I Bienal do Samba da TV Record, de São Paulo, entoar sem saber o canto de cisne do gênero pensando tratar-se de novidade em matéria de samba: "No compasso/ Do samba eu disfarço/ O cansaço/ Joana debaixo do braço/ Carregadinho de amor/ Vou que vou...".


Músicas

Cristo Nasceu na Bahia (Sebastião Cirino) – Banda do Corpo de Bombeiros
O Maxixe (Aurélio Cavalcanti) – Carolina Cardoso de Menezes
Dorinha, Meu Amor (José Francisco de Freitas) – Mário Reis
Rio Antigo (Altamiro Carrilho/ Augusto Mesquita) – Altamiro Carrilho
E Você Não Dizia Nada (Hélio Sindô/ J. Sacomani) – Gilberto Alves
Bom Tempo (Chico Buarque) – Chico Buarque
Serei Teu Ioiô (Paulo da Portela/ Monarco) – João Nogueira

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