sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Peleja de Pinto com Milanês


Pinto de Monteiro
Severino Milanês da Silva


Milanês estava cantando
em vitória de Santo Antão
chegou Severino Pinto
nessa mesma ocasião
em casa de um marchante
travaram uma discussão.


M - Pinto, você veio aqui

se acabar no desespero

eu quero cortar-lhe a crista

desmantelar seu poleiro

aonde tem galo velho

pinto não canta em terreiro


P - mas comigo é diferente

eu sou um pinto graúdo

arranco esporão de galo

ele corre e fica mudo

deixa as galinhas sem dono

eu tomo conta de tudo


M - Para um pinto é bastante

um banho de água quente

um gavião na cabeça

uma raposa na frente

um maracajá atrás

não há pinto que agüente


P - Da raposa eu tiro o couro

de mim não se aproxima

o maracajá se esconde

o gavião desanima

do dono faço poleiro

durmo, canto e choco em cima.


M - Pinto, cantador de fora

aqui não terá partido

tem que ser obediente

cortês e bem resumido

ou rende-me obediência

ou então é destruído


P - Meu passeio nesta terra

foi acabar sua fama

derribar a sua casa

quebrar-lhe as varas da cama

deixar os cacos na rua

você dormindo na lama


M - Quando vier se confesse

deixe em casa uma quantia

encomende o ataúde

e avise a feguezia

que é para ouvir a sua

missa do sétimo dia


P - Ainda eu estando doente

com uma asa quebrada

o bico todo rombudo

e a titela pelada

aonde eu estiver cantando

você não torna chegada


M - O pinto que eu pegar

pélo logo e não prometo

vindo grande sai pequeno

chegando branco sai preto

sendo de aço eu envergo

sendo de ferro eu derreto


P - No dia que eu tenho raiva

o vento sente um cansaço

o dia perde a beleza

a lua perde o espaço

o sol transforma-se em gelo

cai de pedaço em pedaço


M - No dia que dou um grito

estremece o ocidente

o globo fica parado

o fruto não dá semente

a terra foge do eixo

o sol deixa de ser quente


P - Eu sou um pinto de raça

o bico é como marreta

onde bate quebra osso

sai felpa que dá palheta

abre buraco na carne

que dá pra fazer gaveta


M - Eu pego um pinto de raça

e amolo uma faquinha

faço um trabalho com ele

depois pesponto com linha

ele vivendo cem anos

não vai perto de galinha


P - Milanês, você comigo .

desaparece ligeiro

eu chego lá tiro raça

me aposso do poleiro

e você dorme no mato

sem poder vir no terreiro


M - Pinto, agora nós vamos

cantar em literatura

eu quero experimentá-lo

hoje aqui em toda altura

você pode ganhar esta

porém com grande amargura


P - pergunte o que tem vontade

não desespere da fé

do oceano, rio e golfo

estreito, lago ou maré

hoje você vai saber

pinto cantando quem é


M - Pinto, você me responda

de pensamento profundo

sem titubear na fala

num minuto ou num segundo

se leu me diga qual foi

a primeira invenção do mundo


P - Respondo porque conheço

vou dar-lhe minha notícia

foi o quadrante solar

pelo povo da Fenícia

os babilônios também

gozaram a mesma delícia


M - Como você respondeu-me

não merece disciplina

hoje aqui não há padrinho

que revogue a sua sina

se você souber me diga

quem inventou a vacina?


P - Não pense que com pergunta

enrasca a mim, Milanês

foi a vacina inventada

no ano noventa e seis

quem estuda bem conhece

que foi Jener Escocês


M - Sua resposta foi boa

de vocação verdadeira

mas queira Deus o colega

suba agora essa ladeira

me diga quem inventou

o relógio de algibeira?


P - No ano mil e quinhentos

Pedro Hélio com façanha

em Nuremberg inventou

essa obra tão estranha

cidade da Baviera

que pertence a Alemanha


M - Pinto, cantando não gosto

de amigo nem camarada

se conhece a história

Roma onde foi fundada?

o nome do fundador

e a data comemorada?





P - Em l7 e 53

antes de Cristo chegar

nas margens do Rio Tibre

isso eu posso lhe provar

Rômulo ali fundou Roma

a 15 milhas do mar





M - Pinto, eu na poesia

quero mostrar-lhe quem sou

relativo o avião

perguntando ainda vou

diga o primeiro balão

quem foi que inventou?





P - Em mil seiscentos e nove

Bartolomeu de Gusmão

no dia oito de agosto

fez o primeiro balão

hoje no mundo moderno

chama-se o mesmo avião





M - Pinto estou satisfeito

já de você eu não zombo

mas não pense que com isto

atira terra no lombo

disponha de Milanês

pra ver se ele agüenta o tombo





P - Milanês, você comigo

ou canta ou perde o valor

você me responda agora

seja que de forma for

de quem foi a invenção

do primeiro barco a vapor?





M - Eu quero lhe explicar

digo não muito ruim

a 16 a 87

você não desmente a mim

o inventor desse barco

foi o sábio Diniz Papim





P - Em que ano inaugurou-se

da Europa ao Brasil

a linha pra esse barco

a vapor e mercantil?

Se não souber dê o fora

vá soprar em um funil





M - Foi um navio inglês

que levantou a bandeira

em 18 a 51

veio a terra brasileira

sendo a nove de janeiro

fez a viagem primeira





P - E qual foi a 1a guerra

feita a barco a vapor?

Você ou diz ou apanha

da surra muda de cor

quebra a viola e deserta

nunca mais é cantador





M - Em l8 e 65

a esquadra brasileira

dentro do Riachuelo

içou a sua bandeira

na guerra do Paraguai

foi a batalha primeira





P - Milanês, você comigo

ou canta muito ou emperra

não pode se defender

salta, pula, chora e berra

qual foi a primeira estrada

de ferro, na nossa terra?





M - Foi quando Pedro II

tinha aqui poderes mil

em 18 e 54

no dia trinta de abril

inaugurou-se em Mauá

a primeira do Brasil





P - Milanês, você é fraco

não agüenta o desafio

eu ainda estou zombando

porque estou de sangue frio

me diga quem inventou

o telégrafo sem fio?





M - Pinto, você não pense

que meu barco vai a pique

em mil seiscentos e oito

na cidade de Munique

Suemering inventou

este aparelho tão chique





P - Eu já vi que Milanês

não responde cousa à toa

se ainda quiser cantar

hoje um de nós desacoa

puxe por mim que vai ver

um pinto de raça boa





M - Pinto, o seu pensamento

pra todo lado manobra

mas eu não conheço medo

barulho pra mim não sobra

é fogo queimando fogo

é cobra engolindo cobra





P - Do pessoal do salão

levantou-se um cavalheiro

dizendo: quero que cantem

pelo seguinte roteiro

Milanês pergunta a Pinto

como passa sem dinheiro





M - Oh! Pinto, você precisa

dum palitó jaquetão

uma manta, um cinturão

uma calça, uma camisa

está de algibeira lisa

não encontra um cavalheiro

que forneça ao companheiro

pra fazer-lhe um beneficio

olhe aí o precipício

como compra sem dinheiro?





P - Eu recomendo a mulher

que compre na prestação

um palitó jaquetão

a camisa se tiver

quando o cobrador vier

ela esteja no terreiro

eu fico no fogareiro

pelo oitão vou furando

ele ali fica esperando

assim compro sem dinheiro





M - Você em uma cidade

precisa de refeição

porém não tem um tostão

que mate a necessidade

ali não há caridade

na casa do hoteleiro

só encontra desespero

fala e ninguém lhe atende

fiado ninguém lhe vende

como come sem dinheiro?





P - Eu levo um carrapato

guardado dentro do bolso

vou no hotel peço almoço

no fim boto ele no prato

faço logo um desacato

chamo o garçon ligeiro

ele me diz: cavalheiro

cale a boca, vá embora;

saio por ali a fora

assim como sem dinheiro





M - Você precisa casas

para ser pai de família

precisa roupa e mobília

cama para se deitar

você não pode comprar

cadeira nem petisqueiro

atoalhado estrangeiro

mesa para refeição

você não tem um tostão

como casa sem dinheiro?





P - Se a moça amar-me enfim

me tendo amor e firmeza

não especula riqueza

nem diz que eu sou ruim

ela ontem disse a mim:

eu quero é um cavalheiro

e você é o primeiro

para ser meu defensor

quero é gozar teu amor

e assim caso sem dinheiro





M - Você depois de casado

sua esposa cai doente

você não tem um parente

que lhe empreste 1 cruzado

ver seu anjo idolatrado

gemendo sem paradeiro

olhe aí o desespero

na porta do camarada

só ver pobreza e mais nada

como cura sem dinheiro?





P - Eu boto-a nos hospitais

do governo do estado

pra quem está necessitado

aquilo serve demais

as irmãs especiais

chamam logo o enfermeiro:

— Vamos com isto ligeiro

tratam com mais brevidade;

se interna na caridade

assim curo sem dinheiro





M - Oh! Pinto, camaradinha

você precisa ir à feira

para comprar macaxeira

arroz, batata e farinha

bacalhau, charque e sardinha

tomate, vinho e tempero

gás, açúcar e candeeiro

biscoito, chá, macarrão

bolacha, manteiga e pão

Como compra sem dinheiro?





P - Eu dou um jeito no pé

envergo um dedo da mão

um dali dá-me um pão

outro dá-me um café

à tarde vou à maré

espero ali o peixeiro

ele é hospitaleiro

humanitário e carola

dá-me um peixe por esmola

e assim como sem dinheiro





Com este verso do Pinto

encheu de riso o salão

houve uma recepção

naquele nobre recinto

ergueu-se um rapaz distinto

com frase meiga e bela

disse: mudem de tabela

pra uma idéia mais grata:

nem a polícia me empata

de chorar na cova dela





P - Eu tive uma namorada

bonita igual Madalena

parecia uma verbena

pela manhã orvalhada

a morte tomou chegada

matou a minha donzela

quando sepultaram ela

quase a tristeza me mata

nem a polícia me empata

eu chorar na cova dela





M - Eu amei uma criatura

ela o coração me deu

na minha ausência morreu

eu sofri muita amargura

fui à sua sepultura

para abraçar-me com ela

ainda via a capela

toda bordada de prata

nem a polícia me empata

eu chorar na cova dela





M - Um dia um amigo meu,

disse com toda bravura

deixe de sua loucura

se esqueça de quem morreu

uma desapareceu

Procure outra donzela;

eu disse: igualmente aquela

não existe nesta data

nem a polícia me empata

eu chorar na cova dela





P - Desperto de madrugada

o sono desaparece

me levanto e faço prece

na cova de minha amada

volto pela mesma estrada

com o pensamento nela

quando eu não avisto ela

vou dormir dentro da mata

nem a polícia me empata

eu chorar na cova dela





Caros apreciadores

qualquer que analisou

nem Pinto saiu vaiado

nem Milanês apanhou

vamos esperar por outra

que esta aqui terminou



- FIM -

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